segunda-feira, 28 de julho de 2008

Carta n°35

Em 15/08/07
Lúcia Welt escreveu:

Meu amado Bento

Perdoa-me por te dar tanta preocupação... Mas que posso fazer se os acontecimentos se precipitam, e não são de feição a dar-me paz? Quisera só levar-te visões do meu corpo desfrutável, sim, mas possuído por entes amados que me dão amor e prazer, como tu mesmo...
Mas esta manhã ocorreu algo horrível lá na delegacia. Vou contar-te, esperando que me perdoes, e prometendo que não mais voltarei a contar coisas ruins para não perturbar o teu extável e merecido sonho de poeta do teu vale encantado.
Cheguei com o Galdério dirigindo, na delegacia, e ele ficou esperando no carro como sempre. Ao entrar já senti um clima estranho e o olhar agudo, penetrante, do Benotti, que parecia desnudar-me. Eu estava discretamente vestida e com calcinha por baixo, juro! Mas ele, a pretexto de me levar aonde estavam os papéis que eu deveria assinar, conduziu-me a uma sala reservada nos fundos da delegacia. Eu estava com medo, mas sem uma consciência do que estava acontecendo. Ali ele me mostrou os papéis que eram um relato detalhado da reconstituição do crime, para eu assinar como testemunha. Enquanto eu lia, de pé ( não havia cadeira no local) ele por trás me prensou contra a mesa, me dobrou sobre ela, e levantando rapidamente minha saia, abaixou violentamente a minha calcinha, e introduziu seu pênis imenso em minha vagina até o fundo! Era tão grande que senti bater no colo do meu útero com uma dor lancinante. Eu dei um grito mas foi abafado pela sua manopla na minha boca, e dominada, sem poder me mexer por seu enorme peso e pressão ele ficou bombando, entrando e saindo até ejacular abundantemente num jorro espúrio que senti escorrer-me pela vulva e pelas pernas. Ele saiu mas imobilizando-me ainda com as duas mãos e ai! que vergonha... abrindo as minhas nádegas para observar a sua obra. Então fechou-as como um portal e deu-me ainda uma dolorosa e debochada palmada na nádega direita. Bento, eu soluçava, chorava, de dor, de revolta e vergonha, e fui saindo de cabeça baixa, sem nada dizer, em lágrimas, querendo sumir, me enterrar, e saí da delegacia, quase caindo, tropeçando nos degraus, e sendo amparada pelo Galdério de olhos arregalados, na calçada, e sendo quase carregada até o carro. Partimos, o Galdério calado me olhando pelo espelho sem saber o que me perguntar, atribuindo, na certa, as minhas lágrimas à comoção de ler o testemunho e reviver as dores da Alma, que agora era minhas, como se já não as fossem antes.
Bento, tomei um novo banho longo, para me livrar daquela escória, que não para de sair de dentro de mim. Vou ficar o dia todo na minha cama,e só levantar quando tiver coragem de novamente encarar o mundo e as pessoas. A Matilde parece perceber tudo por intuição e olfato, e a Doutora Jensen quiz olhar a minha xaninha, mas eu não deixei, disfarcei. Ela parece tambem desconfiar. Afinal ela é psiquiatra, e psicóloga, percebe tudo só de olhar nos olhos e na postura corporal das pessoas.
Vou ficar quieta e pensando para ver se descubro onde foi que eu errei... ai! Bento , preciso chorar. Quando me recuperar eu volto a te escrever
Me perdoa, meu Bento, meu santinho, meu amor lindo e delicado
Tua desastrada Lu
Carta n°34


Lúcia Welt para claudio
20/08/07


Bentinho amado
Que delícia de carta essa tua! E saber que tua mãe me achou bonita, e não uma gringa descorada, foi muito gratificante para mim. Sabe, Bento, tu não me reprimires e até me incentivares nessa fase desbocada em que estou está me fazendo um bem enorme. A propósito, para teres uma idéia do que se passava comigo noutros tempos aqui neste casarão, vou mostrar-te um soneto que descobri ontem de noite no baú da Alma. Eu sei que ela jamais publicaria esse soneto, que achei por acaso no meio da papelada dela e me trouxe perturbadoras recordações. Alma era uma cronista permanente, registrando tudo o que se passava consigo e ao seu redor. E tudo transformava em obra de arte. Olha isto, escrito por ela nos meus tristes anos:

Uma noite, após tomar meu caldo
Flagrei a meiga Lúcia sem malícia
No quarto ser fodida sem carícia
Pelo seu marido o vil Geraldo.

E vi a branca, linda bunda da guria
Ser estuprada por um pênis gigantesco
Que causava muchocho algo grotesco
Pois, de quatro, em dor ela gemia.

Eu quis entrar e bater nesse vilão
Que sujeitava a minha irmã à condição
De cadela toda noite havia anos...

Mas, o quê pude, depois de questioná-la?
Até hoje lembrar disso me abala:
Ajoelhei e beijei seu pobre ânus!

(Alma Welt)
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Bento, tudo isso isso é verdade, aconteceu mesmo, e foi nesse dia que começou a minha "reeducação" sexual pela Alma, e entrei numa fase maravilhosa de sexo com minha irmã, que me ensinou os seus segredos e me liberou para ti, meu Bento. E olha que ela era mais nova do que eu!
É claro que não mostrarei esse soneto pra mais ninguém e muito menos o publicaria nem mesmo no blog dos Sonetos Eróticos da Alma. É demasiado patético o episódio, e só o mostrei a ti por curiosidade e para veres o grau de compaixão verdadeira de minha irmã, a divina Alma...

Beijinhos. Mais tarde voltarei e te contarei, se não te importares, o que aconteceu hoje de manhã comigo, lá em Rosário.

tua Lu
Carta n°33


Bento querido

Eu não quero ser internada. A doutora está justamente aqui na estância, porque não poderia me tratar, fazer uma terapia,se for o caso? Ela, no entanto diz que nada poderá fazer com o Rodo por aqui . Ela disse assim: " Lucia, tu estás sob uma forte influênciada Alma, dentro de ti. Tu, num nível semi-consciente queres te transformar na tua irmã idolatrada. Tu queres ser a Alma. Em nivel consciente seria fácil tratar, mas o nível inconsciente é bem mais profundo e remonta à primeira infância de vocês. Tu a tinhas e tens como uma verdadeira deusa. E a maneira que encontraste, em termos quase orgânicos de incorporá-la é se entregando, sendo possuída e inseminada pelo irmão de vocês
Bento, é verdade, a minha dor não passa, saber minha irmã assassinada depois de martirizada... Tenho que conhecer a dor dela, seu sofrimento e... seu prazer!Tu achas que estou ficando louca?
A doutora diz que a Alma foi uma das personalidades mais poderosas que ela jamais conheceu. Uma grande artista cuja arte permeava tudo o que ela tocava, a começar por sua vida.
A pessoas tinham instintivamente o impulso de cultuá-la, a começar por sua beleza física extraordinária, que se somava à beleza interior, cheia de doçura, generosidade e até uma desconcertante candura numa moça tão inteligente e culta. Ela era Psiqué rediviva e o mundo não sabe o que perdeu. Seu nome indicava isso, Anima Mundi, alma feminina do Mundo. A doutora ainda disse:" Lu, também eu amava a tua irmã. Eu me apaixonei por ela lá na clínica e por isso a segui, aceitando o convite de vocês para vir tratá-la aqui, continuar sua terapia dessa forma irregular, na casa, no lar de vocês. Eu não conseguia mais ficar longe dela. Eu a tive inúmeras vezes em meus braços, eu a amei carnalmente e isso foi a maior glória da minha vida! Seu corpo seus beijos, seu sexo era o paraíso, Lu, eu sei. E por isso não posso mais ser terapeuta de ningúem e me restrinjo agora a escrever minhas memórias onde, decidi, vou confessar tudo".
Como vês, Bento,não poderei contar com a doutora Jensen como médica, e não posso nem admitir aquela clínica sem ela. Não esqueço o que a Alma sofreu ali, para chegar a fugir numa odisséia que ela contou nas suas cartas à Andrea. A sua relação física com a doutora, pelo menos o início dela, ela contou na crônica "Minha doutora Jensen", que está lá no Leia Livro.
E agora Bento, suspeito que a doutora não quer me tratar porque sabe que aquilo se repetirá comigo. Ela acabará reconhecendo a Alma em mim, e cairemos nos braços uma da outra e faremos amor, também, carnal, ardente. Ela é uma mulher bonita com quase sessenta anos e começo a pensar, imaginar, olhando seu corpo com atenção a todo momento. E percebo que ela me olha muito, sim, meu corpo, e senti o jeito com que ela passou a pomada nas minhas partes íntimas, não como a uma guriazinha. Eu percebi a sua sensualidade, e sua mão tremia.

Bento, nada posso fazer pela minha irmã. Não posso vingá-la, pois não tenho a vingança dentro de mim. Só posso seguí-la, sofrer por ela e como ela, e ser possuída pelas pessoas que a amaram e a tiveram em seus braços, que a possuiram com doçura ou mesmo com vigor, senão com violência. Sim, quero reviver a Alma e morrer gozando e sofrendo nos braços dos seus amados ou espetada como uma borboleta no imenso pênis sangrento de um amante exaltado. Quero que me rasguem ao meio e libertem a minha Alma!

Tua Lu, que ama e sofre
Carta n°32


para elianatmattos
13/07/07

Oi Eliana

Sou Lucia a irmã da Alma, estou aqui em São Paulo,e estou escrevendo daqui do Cyber Café. O Guilherme, teu marido, está aqui comigo, do meu lado, vendo-me passar este e.mail. Ele veio me apresentar a esta lan-house pois estou de passagem por Sampa, com o Rôdo e devo voltar logo para a estância. Acho que não terei tempo de conhecer-te desta vez. Ele me disse que és linda e doce, e eu fiquei louca pra te conhecer. Deves ser muito especial, para seres a amada e a verdadeira musa do Mestre, embora minha irmã também tenha inspirado alguns quadros dele.
Guilherme está dizendo que volta para casa em 1 hora e meia mais ou menos.
Até um dia e um beijo
da Lucia
Carta n°31


Bento amado

Adoro essa obra-prima. Aliás o cinema italiano continua sendo o meu preferido depois do brasileiro quando é bom.

A propósito, tu não achas que os romances da Alma poderiam dar belos filmes?

Há três diretoras brasileiras, cineastas, que admiro muito. Todas as três de São Paulo: Ana Carolina, Eliane Café e Susana Amaral.

Penso nelas quando imagino filmes sobre textos da Alma.

Beijos


(Bento escreveu):


Meu amor, hoje de manhã, depois de muitos anos, voltei a ver Cinema Paradiso, e novamente voltei a chorar. A música do Morricone é sensacional, o roteiro uma coisa, a fotografia dez, o fime é perfeito. E eu voltei a chorar. Identifico-me muito com ele, é um filme que fala de infância, um filme de memória, de amor e de memória. E choro. Beijos.
Carta n°30


Bento adorado

Estou radiante. Hoje cedo o Rôdo voltou de suas andanças de jogador, muito antes do que eu esperava. Eu tinha saído cedinho para andar com o Orfeu por aí (o pobre não pára de me rodear com olhos pidões e não é para passeio não, que ele tem autonomia para isso). Mas andamos muito e não encontrei um lugar que me parecesse seguro. Eu avistava peões e peonas por todo lado. E um boiadeiro jogando o laço(foi lindo). Voltei com o Orfeu um pouco frustrado, eu notei. Sentei-me na varanda com ele aos meus pés e a Patrícia veio sentar-se no meu colo, carinhosa e carente precisando de mãe. E ficamos muito tempo ali, nos acariciando, ela como uma guriazinha aninhada no meu seio e cheguei a entoar uma cançao de ninar... Então de súbito um ronco de motor e lá ao longe na estrada, o carrinho prateado do Rôdo! Erguemo-nos e eu fiquei de pe ali tensa, comovida já erguemdo os braços para ele até ele estacionar e saltar do carro com os braços também estendidos. Primeiro ele abraçou a Pati, que adora o tio, e se adiantou. Depois, ah! Bento nos abraçamos e rodamos rodamos, ele me ergueu no alto, como... sua amada e me beijou nos lábios demoradamente! Foi bandeiroso. Mas só para a Matilde que vindo da cosinha para recebê-lo, viu esta cena. . Outrora a Alma éque tinha precedência a abraçá-lo e e era a ela que ele rodava assim. Mas Má não falou nada, estava feliz com a chegada do nosso eterno guri, que abraçou ternamente a nossa velha babá. Ah! Bento, quantas vezes essa cena aconteceu, idêntica nas nossas vidas! E sempre me encontrou com lágrimas nos olhos de comoção, de felicidade, de ternura. A chegada do herói, do principe, do filho pródigo, do... amante.

Ele logo piscou para mim, oferecendo-me um presente, uma caixinha, que abri ávida como uma guria, ou uma noiva, com o coração acelerado. Uns brincos e uma pulseira combinando, lindos! E ali fiquei olhando o presente com os olhos cheios de lagrimas, enquanto ele sussurrou no meu ouvido: "... hoje à tarde, às quatro horas, no sótão... Agora vou dormir"

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Carta n°29


Bentinho

Só agora pude voltar ao teclado, e revendoa última carta, interrompida e sem revisão, acheia-a medonha. Me desculpe. É que me descobri muito expontânea na nossa correspondência, e escrevendo muito rápido necessito de revisão . Alma é que era prodigiosa e escrevia com enorme velocidade e fluência, e com poucos erros. Seus sonetos nasciam também assim, expontâneos, rimados com graça, num jato. E com poucos "pés-quebrados", quer dizer, erros de contagem de sílabas. Bem, e.mail é assim mesmo, é dificil não sair com alguns erros de digitação.

Mas, meu Bento, retomando de onde tinha interrompido quando chegou a gracinha da Patrícia que veio me dar boa noite porque queria dormir muito cedo pois amanhã ao alvorecer ela vai com Matilde até uma aldeia aqui perto. Tive que enviar logo antes qu ela olhasse a telinha e visse as minhas inconfidências mineiras.
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Carta n°28


Bento amado

Esperei a chegada do delegado Benotti por três dias, e afinal quando ele chegoum foi para fazer mais suspense ainda, convocando-me a comparecer ao depoimento da testemunha (que ele misteriosamente se recusa a adiantar quem é) lá na sua delegacia em Rosário do Sul, na segunda feira às 11 horas. Diz que será um depoimento oficial, e que a testemunha está sob proteção da polícia, e que é preciso sigilo ou segredo de justiça, sei lá... Senti-me quase como se estivesse sendo atraída a uma armadilha, não sei bem porquê. É que me sinto bem mais segura aqui na estância, com a presença do Galdério, da Matilde e da doutora Jensen. A idéia de pisar numa delegacia me dá arrepios. Bem, segunda-feira veremos.

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Carta n°27



Oi Bento
Estou de volta, um tanto perturbada e confusa. Tu não
imaginas o que foi a visita do delegado Benotti.Ele chegou para o almoço, cheio de mistérios deixando para falar após terminar a refeição, o café, o licor e até os charutos do Vati que lhe ofereci na biblioteca. Depois de muitos rodeios, em vez de contar suas conclusões acerca da investigação, declarou-se(pasme) apaixonado por mim, e simplesmente pediu-me em casamento! Fiquei e ainda estou em estado de choque. Eu balbuciei desculpas, fiquei toda atrapalhada e nem sei se ele entendeu que achei absurdo, que isso está fora de cogitação para mim, pois ele continuou divagando, dizendo que quer proteger-me, que sou uma mulher frágil, diante de forças que ele consegue ver ao meu redor, que eu preciso da proteção de um homem "leal e forte" como ele. Que meus filhos e a estância precisam de um pulso forte, de homem. Veja só! Acabei me sentindo fraca mesma e ameaçada por forças invisíveis, a começar por ele, com seu assédio imprevisto. Sentindo isso ele chegou a me acuar contra uma parede real, na verdade uma estante de livros
e agarrando-me a cabeça beijou-me na boca. Fiquei indignada, dei-lhe um tapa no rosto, que de tão fraco ficou ridículo e não suficientemente desencorajador. Ai! Bento, que vergonha! Fiz um gesto de expulsão apontando a porta, mas ele ao sair, como um trunfo ou uma carta na manga, insinuou que tem fortes indícios do assassinato da Alma e que eu corria perigo, e por isso ele precisava me proteger e que ele me procuraria novamente com as provas do que dizia. Temo estar diante de um oportunista, de um picareta mesmo. Eu não deveria ser tão afetada, mas a verdade é que quando ele partiu eu desabei e chorei, chorei, como nunca desde a morte da Alma. Meus filhos perceberam algo, e me disseram para não permitir mais a entrada daquele homem aqui. E pensar que esse homem era obsecado pela Alma! Chegou a dizer-me que ele via a Alma em mim! Ah! Bento, como tudo isso é perturbador... Não é a primeira vez que me dizem isso. Talvez por amar tanto a minha irmã, estou ficando parecida com ela? Não é possível... triste arremedo eu me sairía.
Preciso falar com ela, Bento. Esta noite, se ela aparecer,vou segui-la aonde ela for, tomarei coragem, ela não pode me fazer mal, ela é um anjo, devo confiar nela.
Matilde diz somente que eu devo rezar muito e afastar as tentações. Amanhã ela irá a Rosário do Sul se confessar com o padre que ela confia e pedir-lhe conselho. Quer que eu vá com ela. Ela quer na verdade que o padre venha benzer a casa, que ela também considera em perigo...
Bento querido, só tenho a ti como amigo e confidente, e percebo que de certo modo me já me amas, como amigo, não é mesmo?
E desabafar contigo me faz bem, me alivia...
Meus filhos me chamam, dizem que a Patrícia trancou-se no sótão chorando e tenho que ir ver o que está acontecendo.
Mais adiante nos falamos
Beijo







Carta n°27


Sim, Bento amor meu

Só quando eu der um pulo em Rosário poderei entrar nesse site numa lan-house para ver o vídeo, pois pois o computador aqui de casa está uma desgraça e não abre direito imagens nem vídeos. É um dinossauro.Mas está na minha agenda. Quando conseguir vê-lo comento contigo.

Enviarei ainda hoje um novo e.mail comentando tua última cartinha, e econtando as novidades e deixando-te mais tesudinho um pouco (risos).

Beijos

da tua Lu
Carta n°26


Bento!

Que privilégio! Que honra ser a musa de um poeta como tu, meu querido! Fiquei comovida e novamente excitada, com estes poemas sutis, delicados e tão sensíveis que me dedicaste. Um livro só de poemas para mim? Não acredito!... E com meu nome sob os títulos? Assim vou acabar ficando famosa... Minha mãe deve estar se remexendo no túmulo, indignada, pois ela nos queria discretas e caseiras, casadas e caladas. E não faladas... (risos).

Mas agora é tarde, estou enveredando pelos caminhos da Alma, sem os seus dotes superlativos, claro, mas ainda assim acima das minhas proporções, pois não mereço tantas homenagens como as que vens me prodigando, meu poeta Bento, e ainda não criei uma obra como a Alma, e nem tenho esperanças de chegar aos pés dela. Nem quereria, na verdade, pois me dá imenso prazer cultuá-la na morte como já o fazia em vida.

Digo que entrei no caminho da Alma somente quanto à aventura erótica, pois percebi,afinal, que tenho alguma coragem, e estou me arriscando mais e mais... contigo. Nunca antes me imginei dizendo as coisas que já andei dizendo para ti. Eu era calada e deixava-me manipular pelo meu marido como sua escrava sexual, que ele no seu imenso machismo tripudiava, abusava, machucava. A ele nem ocorria que eu tinha sentimentos e dores, pois era somente a fêmea de um gaúcho fanfarrão, para ser tomada e jogada depois num canto, com as crianças. Quantas vezes eu ficava dias, sem nem poder sentar-me, e ele nem dava tempo de me recuperar... Ai!, eu sei que é grotesco, Bento, mas quero dizer tudo, agora que destampei.

Esta noite não sonhei ou não acordei lembrando.. Talvez porque tenha ido longe demais até para o meu inconsciente, pois despertei no meio de um lago no lençol. Uma imensa roda úmida sob minha bundinha, que estava gelada (risos). O que será que aconteceu durante o meu sono? Que sonho tive contigo, que me deixou assim, tão ensopada? Pareço uma adolescente de colégio interno... A Patrícia passou para minha cama de madrugada, e de manhã, estranhando aquela poça perguntou na maior candura: " Tia, acho que fizeste xixi. Mas... não é amarelo, é clarinho, derramaste água na cama, tia?" Eu fiquei embaraçada, e disse que sim, que levantei para buscar um copo d'água, e estando meio dormindo derramei... Ela então encostou o narizinho no lençol sobre a poça, e aspirando disse: "Mas é perfumado, tia, e gostoso. Teu corpo perfumou a água. Tia, és tão bonita! Quase como a tia Alma..." E eu fiquei imensamente comovida e a abracei. Como vês Bento, andas causando me grandes emoções, e as crianças me perguntaram se estou namorando pela Internet. Eu desconversei...

Bento, eu tenho que ir agora ajudar a preparar o almoço porque agora acho que vem mesmo o delegado que já adiou três dias a sua vinda. Bah! Espero que eu agûente o que virá...

Beijos, beijos
...

Tua Lu

CINCO POEMAS ERÓTICOS PARA LÚCIA WELT


O ELOGIO DA CARNE

Edifico
A rima
O verso talhado na carne

Na cama
Um corpo de mulher

Floresta de mil desejos
Profundo lago

Onde afogo-me
Ressuscitado e nu

AMETISTA

Muito gostaria
De acariciar-lhe os pelos dos braços
Os cabelos que caem como chuva em tempestade
Os rijos seios duros como ametista ou àgua-marinha

Mas o que gostaria mesmo
Seria andar de mãos dadas com você
Por uma alameda de flores e pássaros coloridos


A LÍNGUA

Roça-me a língua
Teu hálito de hortelã

Neste momento
Poliglota de mil desejos
Desfaço a rima

E
Remo a barca

CORPO

Corpo que adensa-se em àgua
Em vertigens
Em desejos
Corpo que pulsa
Corpo que dança
Corpo que anima-se
Corpo-corpo que fala a linguagem da carne

PERFUME FRANCÊS

Ilumina-se a gramínea verde dos teus olhos
Teu corpo
Sabor de pecado
Teu perfume
Cheiro de alecrim

Cláudio Bento

Lúcia, meu amor, esta é a minha homenagem para uma bela mulher.
Em tempo, recebi O RETORNO DOS MENESTRÉIS, não comecei a leitura, mas ontem li a bela dedicatória que fez o Guilherme, li alguns trechos, antevendo momentos de delícias literárias que terei ao lê-lo. Muito obrigado minha guria bonita. Contunuo sonhando em sonhar com você. te amo. Recolha os novos escritos que você achou da Alma e envie para mim, quero ter a honra e o prazer de conhecer a obra completa. Pergunta : você acha que a Alma abençoaria o nosso amor ?
Carta n°25


Barbaridade, guri! (como dizemos aqui (risos). Estou rindo é de nervosa. Não mereço essas palavras lindas e... teu amor. Bento, Bento, estás mesmo apaixonado por mim, ou estás confundindo nossa amizade?... Bem, é quase o mesmo, não é? Essa amizade tão linda que se estabeleceu entre nós, como se já nos conhecêssemos há anos. Tu és um dos corações mais puros que conheci na minha vida. E só podia ser assim, pois os verdadeiros poetas são puros. Por isso mesmo vejo como são falsos os poetas que atacaram minha irmã, na sua morte, lá naquele Recanto. Bah! mas não quero pensar em coisas ruins. Bem, fiquei nervosa e emocionada com a tua carta... Podes falar tudo, sim, meu Bento, o que se passar no teu coração. Na verdade me faz bem, se tua paixão crescer e me desejares, não reprimirei tuas palavras. Tentarei ser livre e corajosa como a Alma, para quem não havia limites entre corpo e espírito. Tu a leste e sabes do que estou falando... Ah! Mas estou longe daquela liberdade estranha, que algumas pessoas entenderam mal...
A propósito, sim, pedirei ao Guilherme para copiar O Retorno dos Menestréis, para enviar a ti. Esse romance justmente é um dos mais eróticos da Alma, e na primeira parte tem momentos de deixar a gente roxa. Mas é belíssimo. Alma, estava num processo de masoquismo psico-sexual crescente. Ela dizia que tinha necessidade de sofrer no sexo e de ser "punida", açoitada mesmo. Ai! Bento, e eu sei que era verdade, que o tal rabo-de-tatu do meu avô, que ela teria desenterrado de uma arca no nosso sótão e carregava com ela na sua mochila, existia mesmo! A verdade é que aquele episódio da expulsão do paraíso, isto é, do flagrante que a Mutti deu nela e Rôdo, debaixo da macieira, nuzinhos quando crianças ( e que é tão recorrente na sua literatura) a traumatizou muito, e a forma semi-consciente que ela descobriu de sobrepor-se à repressão, foi assumir e incorporar a dor como um ingrediente do prazer, para não ser castrada, não encolher, mas como uma Catarse afrontar o mundo com essa liberdade estranha que se aliava à mesma dor (ela mesma examinou isso no seu romance, colocando essa interpretação na boca do doutor Platus (pelo que me consta, personagem fictício). A doutora Jensen, que a conheceu tão intimamemte e que a amava, acha que na verdade Alma estava doente e que esse processo era progressivo e poderia mesmo levá-la à morte, à auto-destruição. Aline teria abandonado a Alma por isso, e não porque sua mente mudou após ter o bebê de Rôdo. Pasme, Bento, uma guria tão linda e amorosa, queria ser fustigada, até sangrar, na sua exaltação quando se apaixonava e se entregava. E as pessoas normais, se recusavam, claro! E agora eu pergunto, Bento, e se ela levou essa coisa ao extremo. lá na cascata com alguém, e pediu que a matasse, no auge do sexo? Afinal ela foi encontrada nua sob a água. E seu vestido estava intacto, sem manchas sobre a pedra. E ninguém a examinou bem, suas costas por exemplo, logo a deitaram na mesa. Não posso pensar nisso, tenho medo... é escabroso demais. Tenho que afastar esse pensamento...

Lembro-me que já desde guriazinha, Alma saía pelo campo e se desnudava para cavalgar em pelo numa potra que tinha, e que já nadava peladinha no poço cascata, com ou sem o Rôdo, e que essas e outras coisas exasperavam a Mutti, que a surrou uma vez, nuinha como estava, com uma vara-de-marmelo.E eu presenciei tudo, horrorizada, e fiquei com ela em meus braços soluçando muito tempo, lanhada nas costas e bracinhos. Ai! Bento, aí pode ter começado a coisa...

Bem, afora isso o romance O Retorno é divertido e lírico, e o gênio da Alma está todo ali. E o seu humor também, pelo menos no terço final do livro. Alma era um ser complexo: aliava a candura à profundidade, o lirismo ao realismo, o sexo desabrido ao amor puro e idealista. Por isso, creio ela veio para ficar e sua obra ainda está por ser descoberta por um século que teria nescessidade desse amálgama, que tudo exalta e sublima no ser humano. Alma tem a chave para elevar condição do homem atual, amesquinhado pelo cotidiano raso e consumista. Seu romantismo não é piegas e engloba o sexo e as chamadas pequenas perversões, que ela revaloriza com seu humor e ternura profunda. Ela é uma humanista, como o Gabriel Garcia Marques e outros monstros sagrados em vias de extinção.

Quanto ao Benotti, este mandou um e.mail dizendo que virá amanhá para revelar a testemunha fazer-nos saber o que se passou naquela manhã fatídica lá no poço. Pressinto que terei hoje uma noite de cão. Como poderei dormir com um prognótico desses? Nada de consolador pode sair dessa revelação, desse depoimento. E quem será essa pessoa que viu... e viu o quê, como? Ai! meu Deus. Não sei se vou agüentar.
Bento, gostaria que tu continuasses a visitar o blog da Alma, e comentase mais alguma coisa. Tu vistes quantos mais eu coloquei ali, dos sonetos pampianos. Quanto mais os releio e compilo, mais percebo a sua grandeza. A saga interior da Alma está toda ali, principalmente se a leres em sequência e na ordem em que estão os sonetos, debaixo para cima. Há uma sutil progressão: ela chega ao seu útimo e temido Natal, se reconcilia com ele, passa pelo Ano Novo, faz planos, especula, cai em momentos de desolação, nostalgia, vai se despedindo...

Note que começaram a aparecer alguns comentário ótimos de leitores da Alma , que já eram seus fãs, lá do Leia Livro, e reapareceram depois de muito tempo. Eles fazem justiça a grandeza dos sonetos da Alma, que alguns me parecem dos mais belos da lingua portuguesa, entre os maiores. Ela às vezes chega a ser camoniana, não fosse o seu sotaque gaúcho. E a sutileza da guria, seu humor e sua síntese me deixam boquiaberta. Repare nos três últimos que coloquei.
Bem, Bento, acho que estou com verborragia, de nervosa que estou e com medode ficar sozinha. As crianças foram passar uns dias na casa de amigos numa estância vizinha ( eu tratei de tirá-los daqui, pelo que pode acontecer amanhã). E a doutora Jensen está escrevendo seu livro, que acho que é de memórias, e deve ser maravilhoso, não quero interrompê-la. Mas sei que provavelmente vou abusar dela e passar para sua cama de noite, novamente. Matilde está com ciúmes, às vezes quando éramos gurias íamos para cama dela, nossa verdadeira mãe da infância. Agora está ficando rabugenta, muito carola e cheia de velas pelo quarto. Qualquer dia põe fogo na casa.

Bento querido, tenho que tapar a minha boca.

Beijos, beijos

logo nos falamos

tua Lu
Carta n°24


Meu Bento

Eu não quiz dizer, não, que tu sejas, machista. Não, foi uma brincadeira, talvez pelo fato dos homens casados pretextarem sempre um desgaste do casamento e o término do fôgo da paixão por suas esposas, quando estão tentando conquistar uma nova mulher. Mas isso eu só vi em filmes, acho, pois que sei eu da vida? Na verdade sou inexperiente nessa área, pois vivi casada (embora mal casada) desde muito jovem. Eu não conheci outros homens até agora... Não te preocupes Bento, não leves a sério brincadeirinhas bobas como essa.

Mas parece que tu preferiste não comentar o teor da minha carta em outros aspectos, talvez porque te tenhas chocado. Acho que fui longe demais contando meu sonho e agora estou morrendo de vergonha. Ouvi dizer que os mineiros são muito reservados no campo sexual, não costumam falar muito do que se passa no âmbito de seus quartos e mesmo daquela porção de suas mentes. Acho que fui inconveniente justamente no meu primeiro esforço para me abrir, me desreprimir... Paciência. Esta noite tive outro sonho daqueles contigo, mas acho que não devo mais descrevê-los, não sei. Nós gaúchas somos extremadas, e quando salta a tampa... como dizia a Alma, para rimar com Pampa...

Olha, mudando de assunto, o Guilherme me enviou e.mail contando que já enviou o "O Retorno" para ti por Sedex e deves estar recebendo hoje mesmo. Por favor acuse recebimento. Vi teu comentário sobre a Alma, no soneto Visão lá no blog e como sempre amei.Pena eu não poder saber quantas pessoas estão entrando lá no blog, não tem esse serviço, como no Recanto , que registra as leituras, ou pelo menos entradas. Alma estava com 12.000 e tantas leituras e foi para 14.000 e tantas nos cinco dias após o anúncio de sua morte. Creio que ela continua sendo procurada mas não tenho meios de saber. Quando uma pessoa morre, na Internet, muda o comportamento dos leitores que não comentam mais, creio qu extratificam o autor ou acham que não adianta mais comentar. Pois quem ouvirá ou retribuirá?

Bem, a mim, cabe continuar tentando divulgar a obra da Alma, pois era tudo oque ela queria, como grande artista consciente do valor que tinha. Todo bom artista quer platéia não é? Vivem para o aplauso, e não para o dinheiro. Querem apenas se expressar e derramar sobre o mundo seus ideais e sua paixão.

Tenho encontrado coisas fantásticas, Bento, nos originais da Alma, na sua montanha de papelada. Encontrei a trilogia de novelas, chamada Trilogia Mítica. que é uma maravilha! Queria que tu lesses depois do Retorno...

Ai, Bento se tu soubesses o que sonhei contigo esta noite... Acho que estou ficando louca.

Sim, te amo, Bento, sim, e te desejo em meus sonhos que perdi a coragem de te contar, pois me desencorajaste com a tua carta de protesto... (risos nervosos)

Beijos da tua lu (que ficou pequenininha...) de vergonha
Carta n°23

Bento, que maravilhoso depoimento! Eu me senti viajando por essas terras, gentes e música mineira, que me soam quase exóticos. Dei-me conta de que sou quase uma gringa, comparada a esse coração tão interior do Brasil, eu aqui neste extremo, neste pampa plano e sem fim. Percebi como vivo isolada, de certa forma, aqui no extremp sul do nosso país, assombrado pelo minuano e por um passado de glórias perdidas. Teu Vale encantado pareceu-me tão cheio de vida, e de engajamento, com esses artistas todos empenhados e entusiasmados. E tu mais que todos, meu poeta mineiro predileto. Fazes parte um verdadeiro movimento de arte, e isso é empolgante. Aqui no Rio Grande temos os CTGs, é verdade, mas a vida em estância é isolada, e a gente acaba pirando... E Alegrete, por exemplo, tem um alto índice de suicídios...

Adorei saber a trajetória , em retrospecto tão bem escrito, de tua experiência com o Festivale, e sentir que és um representante importante da cultura do Vale do Jequitinhonha. Fiquei toda orgulhosa de estar me correspondendo contigo, meu poeta apaixonado .Logo vou responder condignamente(risos )a tua carta de amor... ( Ai, meu Deus, será que terei coragem?... )

Mil beijos e PARABÉNS

tua Lu

______________________

(Bento escreveu):

Lu meu amor, este é o depoimento que foi possíver escrever para o livro do meu amigo. Pensei que você gostaria de ler para saber mais detalhes do movimento cultural do Jequitinhonha. Comente comigo sua impressão sobre o texto. Beijo grande do Bento.
Carta n°22


Bento querido

Entrei no site sim, e vi o poema ( lindo!). É "O movimento das águas? Ah! Porquê não aparece a dedicatória ? (risos). Eu ficaria mais inchada ainda... Tu és mesmo um grande intérprete da tua região, que te retribuirá em muito carinho, eu o sinto.

Bento, obrigada também pelas palavras de força. Quizera mesmo ser capaz de levantar esta família, de ser digna do Vati, da Mutti e da Alma, e tocar esta estância e seu vinhedo dos avós. Às vezes me parece que eles me olham, de onde estão, e esperam muito de mim, que não sei... A Alma deixou de aparecer nas últimas semanas, como se estivesse esperando as providências que o delegado está tomando. Será que ela quer só justiça? Será que sua alma ainda sofre? Minha pobre irmã, como deve ter sofrido... não posso pensar naquilo, na violência... ela que era tão delicada, tão doce. Às vezes penso que ela é mesmo uma espécie de santa, pela beleza interior, pureza de coração e... seu martírio. Ai! Bento...

Poeta, amanhã te contarei mais o que tiver acontecido por aqui. Parece que o delegado encontrou uma testemunha ocular do que aconteceu. Prefiro que seja um boato que surgiu entre os peões. Não quero ouvir uma coisa dessas...

Ai Bento, meu santinho, reze pela Alma, reze por nós aos teus orixás.

Um beijo da Lu
Carta n°21


Bento meu

Perdoa-me mil perdões por te ter deixado por um dia, preocupado, sem notícias. É que me divido entre as tarefas do dia-a-dia na estância, cuidando de todos: as amadas crianças, minha hóspede querida, e o amado Rôdo, que parece desnorteado. A idéia de que Alma não se matou, foi morta, reabriu nele as feridas (na verdade em todos nós). Rôdo não sabe o que fazer, mas quer matar alguém, e como um rei de tragédia grega se arranhou todo, chegou a pegar uma faca e começou a se cortar, aos urros. Foi preciso o Galdério, Matilde e eu para contê-lo. Pobre e desesperado irmão! Ele amava a sua Alma além de qualquer medida. Ele a amava como... o amor de sua vida, essa é que é a verdade! Ele vivia pelo mundo, correndo de carro, de cassino em cassino, jogando, jogando, mas era para tentar fugir da Alma, para fugir de si mesmo. Mas voltava sempre, voltava. Era mas forte que ele, pois, a verdade, Bento é que a tivera mesmo em seus braços, tantas vezes, e isso o destruia ou o mantinha vivo, não sei. Somos uma família decadente e trágica, pobre Bento, que deves estar com o cabelo em pé, ouvindo estas barbaridades. Mas talvez não, pois és poeta e portanto tudo podes compreender e perdoar.
A doutora Jensen se apegou a nós e ficará por aqui, que implorei a ela, que fique, que fique para sempre, como nossa mãe ou irmã mais velha, e ela cedeu, porque já nos ama como sua família. Ela nos ajudará a nos ajustarmos, nos recompormos.

Bento, agora falemos de ti. Gostei da tuas notícias, em saber das tuas atividades em Mariana e Ouro Preto. Esta última eu conheci, há tempos e fiquei impressionadíssima com seu clima interior. Eu a visitei lendo o Romanceiro da Inconfidência, da Cecília Meireles, e fiquei tomada de suas memórias, de seus mistérios. Minas é o berço de nosso sentimento de liberdade, Bento, e as paredes ainda sussurram, como os mineiros sussurram até hoje suas inconfidências, enquanto nós gaúchos nos alardeamos, nos pavoneamos em farrapos.
Bento, quanto à morte de sua sogra, lamento, deves ter sofrido... e tua mulher. Envia-lhe meus pêsames. Tu pareces que a apreciavas.

Vai, Bento, curtir o Festivale, o festival do teu vale encantado, que bem mereces.não olhes para trás, senão para a tua boa infância. Não penses nestes gauchos loucos, atormentados, perdidos no turbilhão sem fim do minuano, onde Alma, como Francesca agarra-se ao seu Paolo, o espírito de Rôdo, sem pouso os dois, sem descanso. Ai! aqui estou eu com metáforas... que vergonha ser esta pobre poeta menor, povoada dos versos dos grandes, dos versos da própria Alma, irmã errante de minh' alma.
Mas não te preocupes, meu Bento quanto ao delegado nefasto. Ele veio talvez como a verdade, a Verdade, que esta família sempre evitou, nesse nosso sonho romântico herdado de nosso pai. Tentaremos sobreviver à verdade crua. Ai!!!

Bento, querido amigo sincero, vamos nos falando... contando... eu às vezes chorando (paciência...)

Um beijo da tua Lucita





Lucita, meu bem maior, recebeste minhas duas cartas que enviei no sábado e no domingo ? Estou preocupado com você, o delegado voltou à carga ? Fico pensando comigo que esse homem é louco, sádico, irresponsável, tudo de ruim que uma pessoa possa guardar no coração.

O poema que escrevi para você foi sucesso no lançamento do Festivale, em meio à cervejada geral pensei em ti aí no pampa açoitado pelo minuano, pelo frio que deve fazer nesta época do ano. Voltei para casa antes da meia-noite, o apartamento vazio, o espectro da morte da mãe da minha mulher ainda vivo na lembrança, o sofrimento dela, a dor, o vale de lágrimas. A minha sogra morreu no último sábado assim de repente lá no vale, foram todos, fiquei eu aqui cuidando das coisas, lendo, preparando uma oficina de uma semana que darei a partir do dia 20 deste mês na cidade de Joaíma, Vale do Jequitinhonha.
Escreva-me querida, não me deixe sem notícias, gosto muito de você, gosto mesmo, é estranho e gostoso ao mesmo tempo a gente se relacionar assim, é algo novo para mim, mas estou gostando muito dessa amizade sincera. Beijo grande do Bento.
Carta n°20

Bento querido

Que bom que não me abandonaste! Eu cheguei apensar que te cansaras das minhas lamúrias e te afastaras... Realmente passei por maus bocados e não seria sincera contigo se para impressioná-lo deixasse de falar de minhas fraquezas e posasse de pequena deusa germânica ou heroína dos pampas... Mas é que senti o peso da minha solidão, aqui no papel que me coube de esteio deste lar, com a morte do Vati e da Solange, que estes sim, eram fortes. Alma e eu sempre fomos mais fracas, e eu mais do que era a Alma, bela, mas afinal frágil criatura, que quebrou-se como um fino cristal.
Há dois dias esteve aqui, novamente o nefasto Benotti, e como um furacão praticamente interditou o casarão e a estância toda com seus homens, e organizou o interrogatório geral. Começou pelo Galdério, e fez uma verdadeira inquisição, apertando e torturando mentalmente cada um de nós. Nada lhe escapava. Era uma verruma entrando até nos pensamentos mais íntimos de cada um. Ah! Bento , eu precisaria ser uma escritora como a Alma para descrever esses interrogatórios, suas entrelinhas e expressões fisionômicas. Galdério , Matilde e a doutora Jensen foram dignos e até heróicos em seus depoimentos. Algum dia vou tentar transcrevê-los tal qual me foi dado ouvir de primeira ou de segunda mão, pois logo o delegado percebendo a força que nos dávamos uns aos outros passou a interrogar reservadamente, a portas fechadas, inclusive para melhor torturar. E logo vi que ele me visava, esperava a hora de me atingir, de me tocar e fazer sofrer nem que fosse só mentalmente. Sim, pois suas mãos se crispavam no ar, em direção à minha cabeça e aos meus ombros, e eu via que ele gostaria de me agarrar. Ele olhava meu corpo, meus seios, através da roupa e me despia com os olhos, obscenamente. Eu... me senti nua, violentada, em farrapos. Ah! Bento, não sabes o poder de um homem diabólico como esse! E, no entanto, que poderia eu dizer? Que sei eu? Não compreendo o que se passou com Alma, pelo menos no nível das circunstâncias de sua morte embora me pareça conhecer sua alma doce e cristalina como as águas daquele poço. Qur sei eu do que aconteceu? Eu nem estava aqui na estância, ai de mim! Quisera estar com ela, lutar e morrer com ela...
Saí tão abalada, como se tivesse culpa da morte da nossa sagrada Alma, só por não estar aqui para defendê-la, cuidar dela, encerrá-la no útero da minha alma para sempre, a doce Alminha criança eterna da Natureza, princesinha poeta que não poderia te sido deixada tão só neste mundo. Ai! Patricia chorava, e Pedrinho queria esmurrar o delegado.
Meus gêmeos Hans e Christian estavam mais calados do que nunca e Rôdo foi o único que gritou com o delegado e se exaltou, quase agredindo-o por revide ( o que o delegado bem gostaria) eu ouvi e senti, atrás da porta.
O Grande Inquisidor afinal retirou-se prometendo voltar. Seus homens ostentavam armas, carabinas e pistolas e o acompanharam olhando para trás, num jogo de cena ensaiado para parecer que tinham visitado um covil de bandidos.
Estamos todos chocados e perplexos. As vísceras da nossa casa estão sendo colocadas à mostra, para parecerem sujas... Durante os interrogatórios o delegado fazia questão de descrever o que ele acredita ter acontecido, chocando-nos com a visão da Alma sendo violada, em detalhes, lutando, sendo... estuprada de todas as maneiras como se.. e ele tivesse presenciado isso, e até... como se ele o tivesse feito! É um sádico e estamos nas suas mãos.
Depois, naquela noite, ao dormir tive um horrível pesadelo, em que eu era a Alma sendo estuprada e acordei em pânico, suada, e até cheia de dores. Olhei-me e... talvez somaticamente, estava sangrando!
Fui para o quarto da doutora, entrei sob suas cobertas e aconcheguei-me a ela que me abraçou, e dormimos assim, abraçadas, graças ao Bom Deus que afinal nos deu uma à outra. Quando
acordamos, para minha vergonha, havia mais a Patrícia e os gêmeos, todos embolados na grande cama maternal da doutora. Só faltavam o Pedrinho, forte guri, e o Rôdo. Ah! Bento, tive a visão de toda a dimensão de minha... de nossa carência. Eu é que deveria tê-los acolhido na minha cama....
Bem, Bento, por ora fico por aqui, que desabafei contigo, poeta de longe, que mal poderá entender, talvez, uma família como esta, um pampa cruel como este, de frio, solitário e eterno minuano...
Mas reza por nós aos teus orixás
Um beijo sofrido
da tua Lucita
Carta n°19


Meu poeta Bento

Tu sumiste, não respondes. Devo então deduzir que não mais queres continuar a te corresponderes comigo. Faz mais de quatro dias que não me escreves. Sofro com isso, pois tinha, no mínimo, me acostumado... Eu ia te contar o que aconteceu aqui nestes dias,o desenrolar do caso de minha irmã , que teve mais um doloroso lance. Mas creio que te desinteressaste. Não te culpo.Só me resta recolher-me à minha solidão nestes pampas, que, agora , sem a Alma, também me sabem a exílio e purgação.

Esperando que sejas sempre feliz, no seio do teu vale querido... me despeço

tua

Lucita




CLÁUDIO BENTO

Nasci em um lugar chamado Jequitinhonha no dia oito de outubro de 1959. Boa parte da minha vida está nos meus poemas. A poesia, esta espécie de salvação, não fosse ela eu nada seria, absolutamente nada.
A idade não atormenta-me, vivo e a cada dia aprendo mais uma lição de vida, o homem não sente o passar dos anos na alma, o espírito nunca envelhece, está sempre aceso, hirto, uma espada em combate eterno.
Nasci numa primavera, mas outubro em Jequitinhonha é um real verão, com ocasos escarlates, o sol mais parecendo uma lâmina, uma faca de corte, um fino punhal de prata.
Não gosto de falar de mim mesmo. Não sou modesto, muito pelo contrário, sou orgulhoso do que faço, do que escrevo, mesmo que essa escrita não tenha nenhum valor. Não sou tímido, sou calado, o que é diferente, prefiro ouvir do que falar. Envolvido na minha introspecção sem limite é que das artes prefiro o cinema e a poesia.
Vivo bem comigo mesmo. A solidão não incomoda-me. Existem muitas coisas bacanas que o homem pode fazer só, ver filmes, escrever ou simplesmente pensar. O pensamento é algo que ninguém pode tirar do ser humano.

Cláudio Bento
Poeta
Carta n°18

Bento poeta querido!

Que lindo poema escreveste para mim! Como dizemos por aqui: barbaridade,tche!Sabe, Bento, me consta que o poema que te inspirou é de autoria de John Dohne( sec.XVI), e começa por um verso que também ficou célebre: "No man is an island", e foi oportuno demais tu me lembrares disso... Andava eu um tanto "em-mimesmada"(risos), e até meus filhos se ressentiam disso. O teu poema, que noutro momento me inflaria o ego, fez melhor: lembrou-me que sou parte do todo. Ajudou-me a me ver como parcela inerente deste pampa infinito que me cerca e que é o mundo. E assim, me fundiu com o espírito telúrico de minha irmã, que aqui está disseminada pelas suas cinzas sagradas. Bento, li teu poema e saí a correr pela campina, e quase arranquei minhas roupas(tive vontade) como fazia a Alminha. Não o fiz, há sempre algum olhar indiscreto, pensei, e essa é a diferença entre mim e ela, que era uma força da natureza, toda instinto e paixão, aliados à uma mente portentosa capaz de pensar racionalmente na área mais profunda: a do pensamento filosófico. Assim, pobre de mim (risos), não tirei minhas roupas, mas corri, corri até cair exausta e... chorar, chorar de alívio, de amor e afinal de integração com minha irmã, verdadeiro espírito desta terra tão amada. Senti, então uma força, Bento, uma grande força para lutar por esta estância, para salvá-la, para salvar o casarão, o vinhedo, o jardim, o pomar , tudo o que meus olhos e meu coração agora abrangiam, graças ao efeito do teu poema... meu poeta mineiro e telúrico!

Quando voltei ao casarão, ele me pareceu mais claro, mais leve, fui logo abraçar e acariciar meus filhos, tanto, que até estranharam. Patrícia, linda adolescente, que perdeu pai e mãe, ficou com os olhos cheios de lágrimas de emoção e agradecimento, e aninhou-se mais em mim e... fomos uma só. Hans e Christiam meus gêmeos adorados, e Pedrinho, menino terno e sério, pequeno futuro gênio das ciências, também chorou, e me pareceu que pela primeira vez... Mas logo as crianças correram para o jardim, e começaram a brincar como quando eram menores. Me lembrou algo, e então, fui procurar um certo poema da amada Alma, dos sonetos Pampianos que ora envio a ti:

Abro a janela... ( de Alma Welt)


Abro a janela que dá para o jardim
E vejo meus irmãos ali brincando.
Ah! Já começaram, e sem mim!
Voltei à infância, e já me atrazando...

Esperem-me, Solange, Rodo, Lúcia!
E vindos da futura geração
O pequeno Hans e seu irmão
Que parecem dois ursinhos de pelúcia.

Estamos todos juntos... como pode?
Ah!somos crianças novamente!
Pedrinho pede à Pati que o rode

Ao compasso do scherzo de Beethoven
Que o Vati punha alto para a gente
E que os meus ouvidos ainda ouvem...


16/12/2006



Obrigada, pois, Bento, meu querido poeta mineiro.

Beijos da Lúcia
Carta n°17

Oi Bento

Lá estava eu a escrever uma novela no último e.mail. Mas é que quando comecei a escrever sobre mim e minha família dei-me conta de quão louco é tudo que se passou conosco (principalmente agora que estou me relacionando com pessoas normais, de São Paulo, e tu, de Minas). Por exemplo: os peões da nossa estância estão dizendo que o vinhedo é amaldiçoado por causa do falecido estancieiro Valentim Ferro que aqui se suicidou(há quase cinqüenta anos
atrás) não sem antes lançar um anátema sobre os novos donos,isto é, meus avós, e seu futuro vinhedo. Eu não creio... mas tenho medo(risos).
Bento, qualquer hora eu te falo dos meus filhos tão lindos!
Olha, anexei uma foto que me fizeram numa galeria em Porto
Alegre, há uns meses atrás.
Vamos nos falando
Beijos
Lucia
Carta n°16


Querido Bento

Adorei saber de ti, de tua vida tão interessante, saudável e dedicada à poesia e à cultura. Envia um abraço meu à minha xará.

Olha, sou viúva, tenho 38 anos, e quatro filhos( dois meus mesmo e dois de minha falecida irmã Solange. Não me considerei nunca bonita por causa da comparação com a Alma, mas últimamente as pessoas parecem considerar que sim, que tenho alguma beleza, peculiar. Sou sagitariana, gosto também de literatura e música boa, de todos os gêneros( também não gosto da caipira, que coincidência) mas principalmente clássica, pois em casa, na estância, crescemos ouvindo os grandes clássicos, principalmente os românticos, na "vitrola" e no piano tocado pelo Vati, no seu Steinway. Meu pai era médico, mas principalmente um grande pianista. Era um homem cultíssimo, erudito mesmo, e nos educou dentro de uma visão da cultura universal sob o paradígma grego, unido ao do romantismo alemão. Goethe era o seu Deus. Mas ele admirava muito também Dostoiévsky. Bem... tudo o que é grande, com o Shakeaspeare, e tantos, até chegar em Guimarães Rosa, que me deslumbrou já aos 17 anos. Eu sempre li muito. E a Alma também. Escrevíamos poemas desde pequenas, mas a Alma era mais segura e mostrava seus poemas para o Vati e para nós. Ela tinha uma confiança ... que fez com que se impusesse muito cedo como a "artista da família" além do próprio Vati. Eu escondia os meus poemas a ponto dele nem saber que eu os escrevia. Creio que nem a Alma sabia. Ela era apaixonada pelos dois homens da casa, o Vati e nosso irmão Rodo. Esse era e é uma mistura fascinante de artista e homem de ação. E muito belo também.Qualquer dia te falarei mais dele e de sua história. Mas, pobre Rodo, até agora não se recuperou da morte da Alma e está um tanto esquisito. Bem tenho que falar de mim, não é verdade? Tenho dificuldade...

Bem, nossa mãe era muito bela, de cabelos e olhos pretos e pele muito branca.Era neta de Açorianos. Tu viste que a Alma a chamava "'a Açoriana", e tinham problemas uma com a outra, pois minha mãe temia um destino de artista para qualquer um de nós, não sei bem porquê. Ou talvez agora saiba, depois do que aconteceu com a Alma. Mas nossa mãe, Ana Morgado, faleceu quando eu tinha19 anos e a Alma 16. E tinhamos uma irmã mais velha que foi a asa negra da Alma, na nossa infância e tornou-se mesmo sua inimiga quase até o fim (no momento da morte pediu perdão à Alma). Ela foi assassinada pelo meu marido Geraldo, que numa disputa pela herança de nosso pai, se revelou um verdadeiro bandido. Ai! Bento, tenho até vergonha de contar essas coisas, pois minha família acabou desfuncional, e até mesmo trágica. Para saber tudo o que aconteceu, sería melhor tu leres o romance autobiográfico da Alma, A Herança, que está ainda inédito. Se quizeres vou fazer uma cópia xerox para enviar a ti.

Dou-me conta, ao querer falar de mim, que estou dentro de uma saga de família, romanesca e quase absurda. Tanto mais que agora nossa estância está assombrada pela Alma, e só se fala disso por aqui. Há um culto dela aqui no nosso pampa, e os peões já inventam lendas sobre ela. Alguns já a viram vagando pelos arredores do casarão e até na pradaria. Há um um umbu, na colina, do "enforcado" que eles dizem que ela aparece em noite de lua cheia, chorando e estendendo os braços para a lua.Já foi vista também galopando em pelo, de noite, nua, como ela fazia mesmo, às vezes.

Olha, perdoa, Bento, Tenho que interromper. Qualquer hora continuo este depoimento, meus filhos estão precisando de mim.

Um abraço

da Lucia


(Claudio Bento respondeu):

Lúcia, minha querida, tenho 47 anos, sou do signo de libra, nascido no dia 8 de outubro de 1959 na cidade de Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, a meio caminho do sul da Bahia, da costa do descobrimento que abriga as cidades de Porto Seguro, Canavieiras, Belmonte, Caraívas, Trancoso, Caravelas, Santa Cruz de Cabrália.
Não sou casado legalmente mas moro com uma pessoa que por coincidência chama-se Lúcia. Não tenho filhos, mas ela já tem uma moça de 26 anos e um garoto de 14 anos. Vivi no Rio de Janeiro por algum tempo trabalhando numa agência de publicidade de um amigo carioca, posso dizer que foram os melhores anos da minha vida, o Rio é uma cidade que adoro, suas praias, suas ruas, seus bairros suburbanos, sua alegria, sua música, sua sensualidade, seu calor. Do Rio vim para Belo Horizonte para viver com a minha atual mulher. Belo Horizonte é uma cidade ainda cheia de conservadorismo, o mineiro é um ser conservador, é uma cidade grande com mais de 2 milhoês de habitantes, mas que ainda preserva sua antiga condição provinciana. Os mineiros não são em nada iguais, digo que o mineiro são muitos, Minas são várias, como disse o nosso Guimarães Rosa. Minas possui vários sotaques. hà mineiros que falam carioca ( a região da zona da mata, cuja principal cidade é Juiz de Fora ) , há mineiros que falam como paulistas ( a região do sul de Minas onde localizam-se Três Corações, Varginha, Três Pontas ), há mineiros que falam baiano ( como na região norte e nordeste de Minas, onde nasci falando baiano e comendo macaxeira, bebendo refresco de juá e jenipapo e vivendo sob um sol escaldante de mais de quarenta graus, região que abriga as cidades de Montes Claros, Almenara, Jequitinhonha, Pedra Azul, Januária e Pirapora ), enfim, Minas é uma grande diversidade, um grande caldeirão de culturas e costumes.
Sou neto de índios, os bravos índios que viviam em Jequitinhonha e que foram quase que totalmente exterminados, restando hoje um pouco mais de dois mil índios que vivem nas reservas de Àgua Boa e Pradinho em Maxacalis, Vale do Jequitinhonha. Minha avó era índia e minha mãe, fruto de muitas misturas que formaram o nosso povo e que é a nossa beleza maior.
Sou autodidata em tudo que faço, não frequentei universidades, mas ironicamente trabalho publicando livros, ministrando oficinas de literatura, cursos de produção de poesia.
Gosto de praia, de uma honesta cervejinha nos finais de semana, do Clube de Regatas Flamengo, da Estação Primeira de Mangueira, dos santos do candomblé, da beleza litúrgica das procissões católicas, apesar de não exercer essa religião, sou agnóstico, acredito piamente que Deus é uma criação do homem e não o contrário. Acredito sim na espiritualidade das coisas, na força do amor e da bondade, na verdade do coração dos homens.
Apesar de não ter estudado muito, li muitos livros de literatura nacional e internacional, posso entender alguma coisa de espanhol, admiro o cinema de Almodóvar, de Godard, de Pasolini, de Vitório De Sica, de Tornattore, de inarritu, de Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Cacá Diegues e outros tantos bons cineastas brasileiros ou não. Aprecio as músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal, Bethânia, João Gilberto, Ary Barroso, o gaúcho Lupiscínio, Villa-Lobos, Cartola, Nelson Cavaquinho, Joan Baez, Bob Dylan, Beatles, Stones e outros muitos cantores e compositores deste mundo de meu deus. Só não suporto essa música dita caipira que acho de um tremendo mau gosto. Sou um cara urbano, entristeço-me por bastante no ambiente rural, por isso não tive contato com fazendas, com o mundo dos currais, dos arreios, do gado, o que fazia-me diferente dos outros garotos da minha cidade que viviam montados em cavalos e burros. Em vez de viver essa vida rural, vivia na pequena e velha e única biblioteca da cidade lendo Graciliano ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiróz, Mário Quintana, Gilberto Freyre etc. E vendo filmes, claro, no cinema da cidade.
Lúcia, meu amor, creio ter expressado um pouco da minha humilde vida mas que aprecio por demais. Aqui em BH não há praia, mas existe uma vida cultural satisfatória, cinemas, teatros, centros de cultura, shows. Aqui não animo muito para sair e beber cerveja nos bares, que são muitos, prefiro ligar meu aparelho de som aos domingos e tomar a minha cerveja, já que a minha companheira que é professora também aprecia a sagrada cervejinha de final de semana.
Acho que revelei um pouco de mim, mas fiquei curioso para saber de você, mande-me uma fotografia por email, fale de você, da sua vida.
Um grande beijo cheio de carinho.
Carta n°15


Bento querido

Gostei muito de tudo o que enviaste sobre ti. Que simpático tu és! E bonito! Um alto astral, sorridente e encantador. E percebe-se que a tua carreira vai de vento em popa, no caminho de seres altamente reconhecido como um grande intérprete do teu vale do Jequitinhona. Como disse um poeta: canta tua aldeia, teu bairro, tua casa, com o coração, e serás universal.

A respeito da poesia de mimeógrafo, sabe, Alma também foi lançada pelo Guilherme de Faria em folhetos ilustrados com desenhos coloridos, em edições xerox. São livrinhos lindos, em papel côr marfim, e acondicionados em encantadoras caixinhas de madeira , pelas suas "Edições do Pavão Misterioso". Dentro de uma semana eu enviarei a ti alguns pelo correio. Em São Paulo eles são encontrados nas famosas Livraria da Vila, na vila Madalena e na alameda Lorena, nos Jardins, bem como no Instituto Moreira Salles, e na loja Calygraphia, da família Mancini, na rua Avanhandava. Mas é só nestes lugares que eles podem ser encontrados, são portanto raros. O grande bibliófilo dr. José Mindlin, já incorporou algimas caixinhas dessas à sua famosa biblioteca. E ele manifestou sua admiração pela poesia da Alma, e pela obra gráfica do Guilherme, dedicada à sua Musa. O grande poeta Paulo Bomfim (80) também.

Olha, Bento, só encontrei um poema teu no Leia Livro, que é aquele que me fez conhecer-te, e admitar-te. Onde estás publicando tua obra na Internet?

Um abraço

da tua amiga

Lucia

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Lúcia, minha amiga, achei interessante enviar-lhe este anexo que contém além das duas fotografias acho bacana você saber como eu sou, minha fisionomia no campo físico das coisas ), contém também um release sobre o meu trabalho, sobre a minha poesia. Espero que você não vá decepcionar-se com a minha aparência. Beijo grande com carinho. Bento
Carta n°14

Querido Bento

Encontrei o arquivo com o retrato da Alma.
Espero que seja este. Meu computador está péssimo, e tudo é difícil e demorado. Alma uma vez me falou sobre o "Ananke das coisas" segundo a visão do Victor Hugo no prólogo d'"Os trabalhadores do mar". Acho que é aquilo mesmo:"...a misteriosa dificuldade da vida".
Um beijo
da Lucia
Carta n°13


12/06/07


Bento querido
Tu tens razão. Eu não domino as formas da poesia, e não soube dividir adequadamente os versos. Talvez assim melhore... mas não estou certa.O que achas?
Olha, estarei reenviando o retrato da Alma, do Guilherme num proximo e.mail (tenho que encontrá-lo).
Logo te enviarei mais notícias. Ainda estou embargada com a tua linda carta. Não mereço tantos elogios. Bem estou muito chorona ultimamente, tu podes imaginar. E tu também me comoves, belo poeta com tua amizade a mim e reverência pela querida Alma.

Um grande beijo da
Lucia
PS- Fala-me mais de ti... Que idade tens? És casado,
tens filhos? Ainda não sei muito de ti nesse sentido. Mas já sei que és uma alma límpida.



Um cântico para Alma Welt
(poetisa, irmã, imortal)
por Lucia Welt

A macieira floriu, a tua macieira,
mas foi por ti desta vez.
Não posso dizer que os pássaros já não voam
cantando na tua pradaria: eles o fazem por ti!

Por ti, doce Alma deste pampa, as coisas permaneceram
para serem dignas de ti e fiéis para sempre.
Tua cascata ainda chora a visão da tua nudez deslumbrante
sob a água, pálido nenúfar, alabastro puro ou Carrara milenar.
Teus cabelos flutuando de ruiva medusa
e teus lábios frios no último beijo do teu perdido irmão...

O "gaucho” te trouxe desvelada e tão alva,
nos braços pela campina esvoaçante e em susto
para depositar-te na grande mesa na tua vigília nua.
E agora a mesa recende o teu aroma
e divisamos teu formoso corpo no branco das toalhas.

Sei que esta noite virás como todas as noites desde então
para mostrar-me algo que teima em não desvelar-se
ante meus olhos enevoados de chorar por ti.

Sempre me ofuscaste com teu brilho,
perdoa-me pois,irmã, não compreender.
Só posso amar-te, nunca pude mais que isso...
e não estava lá para poupar-te do abraço
da outra branca dama que em tua inocência ansiavas.

Nunca pude preservar-te...
eras demasiado sagrada para mim
para ousar defender-te da vida
e da morte como bem desejaria,
pois reinavas e reinas ainda nestas pradarias
do teu Pampa sublimado pelos teus versos imortais.

Pouco precisaste de mim e maior honra me fizeste
(que não merecia) ao te joelhares para beijar-me as mãos
quando te prometi silêncio um dia.

Agora tudo fala e canta por ti, poeta e musa deste Sul,
que já me honravas em demasia
em voltar ao mundo como minha irmã.
Como ser poeta para cantar-te como mereces?
Não posso,não alcanço. Todavia percebo:
a Natureza o está fazendo, por mim, por nós,
para sempre.
Carta n°12


09/06/07

Bento querido

Escrevi a ti há dois dias e não respondes. Presumo que estejas viajando, talvez na tua querida Jequitinhonha. Enviei-te um poema meu, dedicado à Alma, e estou ansiosa pelo teu comentário.
Será que não recebeste? Ou que recebeste e não gostaste do poema...
Bah! sou tão insegura! A minha vida toda, por ter crescido ao lado de uma princesa como a Alma, me tornou reverente, mas encolhida, nunca me achei digna de fazer coisas que ela fazia, como escrever, pintar e cavalgar tão bem. E nadar (quanto mais,nua) como ela. Eu ficava só olhando-a, admirando-a, prosternada em minha alma diante da pequena deusa. Eu contei no meu poema, que ela uma vez se ajoelhou aos meus pés e beijou-me as mãos em agadecimento por eu ter guardado um seu segredo. Era o segredo de sua relação com a sua amiga Aline que estava lá hospedada conosco, convidada por Alma, e cuja verdadeira natureza ela precisava esconder de Solange, nossa irmã mais velha e tirana. Mas na verdade eu é que vivia a seus pés! E queria continuar assim, por uma longa vida, pois me dava imenso prazer adorá-la, servi-la, admirá-la. Agora sinto um imenso vazio, como se faltasse um pedaço de mim. Eu a amava tanto quanto aos meus filhos, e queria protegê-la, colocá-la dentro de mim, minha irmãzinha que era um anjo de pureza, mesmo com sua intensa vida amorosa, de teor bisexual e de intenso erotismo.
Ah! Bento, eu voltei, estou aqui na estância, e o casarão parece estalar de solidão, rangendo, gemendo nas noites, chamando por ela, que ronda a casa, num vagar perpétuo, sem descanso, procurando ou querendo me mostrar algo que pode estar mesmo sob meus olhos e não consigo ver. Ela assombra esta casa, o querido espectro, fantasma adorado, que precisa descansar. Matilde acende velas e mais velas e desfia rosários sem fim. As crianças brincam estranhamente silenciosas. Elas esperam o retorno de sua amada irmãzinha(não tia), como se tudo de repente voltará a ser como elas querem, como esperam, e esta estância voltará ser feliz, ter o retorno de sua Era de Ouro, quando o riso e a felicidade pareciam durar para sempre. Ai! que dor, Bento!
O delegado esteve aqui, cheio de mais mistérios, como um Sherlok, pensativo e reticente, mas cheio de perguntas cada vez mais íntima e indiscretas. Começo a suspeitar de suas verdadeiras razões. Suspeito de que até ele amava minha irmã, ou acalentava secreta paixão. O que teria acontecido entre eles? Certamente nada físico, ele não poderia ser o tipo da minha irmã. Mas talvez fosse unilateral e longamente acalentado, pois descobri que Benotti estudara por por um ano na mesma classe da Alma no ginásio em Rosário do Sul, antes de minha irmã ser retirada do colégio para aprender com o Vati na sua biblioteca, e uma preceptora contratada, a dona Luciana (vide o conto "A preceptora" no LL).
A verdade é que o delegado não tem nada palpável em que basear a sua teoria de assassinato, senão sua intuição, seu "faro", como ele diz e uma não aceitação do suicídio, por ser ele católico, praticante, segundo ele.
Benotti perambula pelo terreno em torno e até pelo casarão pasme)munido de uma lente, o que me parece ridículo. Ontem ele ficou uma hora sozinho no sotão e eu fiquei em ânsias, pois ali está a arca da Alma, cheia de seus manuscritos inéditos e presumo que ele ficou fuçando, lendo, para ver se descobre alguma pista. Desceu com ares de progresso,mas mais misterioso ainda. Almoçou conosco, pensativo, constrangedor.
Ah! Bento , como terminará isso?
Espero que voltes logo a me escrever, pois só tenho a ti para desabafar neste nível, pois a Matilde, coitada, tornou-se mais que nunca uma religiosa fanática.
Bento, aqui estou eu a escrever uma novela... desculpa-me!
Volta logo...
Beijos
Lucia
Carta n°11


Bento querido,
tomei coragem e escrevi isto para a amada irmã.
Temo que não gostes... quem sou eu para escrever um cântico para a grande poetisa? Se não gostares não me digas, que morro de vergonha...



Um cântico para Alma Welt
(poetisa, irmã, imortal)
por Lucia Welt

A macieira floriu,
a tua macieira,
mas foi por ti
desta vez.
Não posso dizer
que os pássaros não voaram
cantando na tua pradaria:
eles o fizeram por ti!
Por ti, doce Alma deste pampa,
as coisas permaneceram
para serem dignas de ti
e fiéis para sempre.
Tua cascata ainda chora
a visão da tua nudez deslumbrante
sob a água,
pálido nenúfar
alabastro puro
ou Carrara milenar.
Teus cabelos flutuando
de ruiva medusa
e teus lábios frios no último beijo
do teu perdido irmão...
O ‘‘gaucho” te trouxe desvelada
e tão alva, nos braços
pela campina esvoaçante e em susto
para depositar-te na grande mesa
na tua vigília nua.
E agora a mesa recende
o teu aroma
e divisamos teu formoso corpo
no branco das toalhas.
Sei que esta noite virás
como todas as noites desde então
para mostrar-me algo
que teima em não desvelar-se
ante meus olhos enevoados
de chorar por ti.
Sempre me ofuscaste
com teu brilho,
perdoa-me pois,irmã,
não compreender.
Só posso amar-te,
nunca pude mais que isso...
e não estava lá para poupar-te
do abraço
da outra branca dama
que em tua inocência
ansiavas.
Nunca pude defender-te...
eras demasiado sagrada para mim
para ousar defender-te da vida
e da morte
como bem desejaria.
Pois reinavas e reinas ainda
nestas pradarias
do teu Pampa sublimado
pelos teus versos imortais.
Pouco precisaste de mim
e maior honra me fizeste
(que não merecia)
ao te joelhares
para beijar-me as mãos
quando te prometi silêncio
um dia.
Agora tudo fala e canta por ti
poeta e musa deste Sul,
que já me honravas em demasia
em voltar ao mundo
como minha irmã.
Como ser poeta para cantar-te
como mereces?
Não posso,
não alcanço.
Todavia percebo:
a Natureza o está fazendo
por mim,
por nós,
para sempre.
Carta n°10


Querido Bento poeta

Fiquei lisongeada com as tuas palavras. Logo perderei a vergonha e enviarei um poema meu. Mas advirto-o que não chego aos pés da minha irmã, ou de ti.
Estou me preparando para voltar ao Sul e pela primeira vez tensa e temerosa.
Sei que vou ter que enfrentar coisas dolorosíssimas, pois o delegado Benotti, quer inquirir todos na estância, peões, serviçais domésticos e até a família. Mas não há senão Rodo e o fiel Galdério, de homens dentro do casarão. O mais é peonada, e nós que conhecemos todos, não podemos conceber que algum deles... Bem, o delegado disse hoje por e.mail que já tem uma pista, embora um tanto vaga. Cá entre nós, vezes penso que esse delegado é um oportunista e sensacionalista. Ele disse que conheceu Alma de vista em Rosário do Sul, e que ela chamava muita atenção, e era muito cobiçada. Mas sei que Alma nem reparava nisso, era absorta em seus pensamentos e no fundo, inocente como uma criança, apezar de tantos textos eróticos.
Ah! Benotti disse que o exame da toallha não revelou nada (nem poderia), mas que isso não é conclusivo, pois não a envolveu, ficou somente por cima e por poucas horas.Agora sismou de mandar examinar a nossa mesa, onde ela esteve pousada nua no velório na sala do casarão.. Disse que trará um especialista. Esse homem é um tormento.
Bento, agora vivo assombrada. Lá na estancia vi Alma várias vezes, como se convidando-me a seguí-la. Agora vejo que talvez ela quizesse me mostrar alguma coisa. Mas sabe, quando releio seus Sonetos Pampianos eu encontro vários indícios de desejo de morte ou de reencontro com o Vati, e verdadeiras visões do seu fim iminente. Sou católica, Bento, e no entanto começo a ficar tentada a ir a uma seção espírita, coisa que nunca me atraiu antes..
Ontem fui visitar a Aline e seu filhinho Marco, meu sobrinho, filho do Rodo. Essa estórias pode parecer escabrosa, pois Aline foi namorada da Alma e entregou-se ao meu irmão, num verdadeiro plano dos três para dar um filho às duas que o criariam juntas, já que Aline queria (pasme!) ter um filho com a Alma. Uff!! Foi a solução qu encontraram...Mas isso acabou, como era de se prever saindo pela culatra, afastando Aline da Alma. Eu, morando em Alegrete não estava sabendo de nada desse imbróglio.
Mas ontem, Aline chorou muito, abraçada a mim, lembrando da Alma, arrependida de a ter deixado. Todos nós que a amávamos estamos nos sentindo culpados de um jeito ou de outro. Não pudemos fazer nada por ela. Não pudemos salvá-la, ao nosso anjo, à nossa poetisa, meiga, doce, apezar de tão complicada. Marco é um guri lindo, e tem o traços do Rodo. Não se lembrava de mim, e creio que não se lembraria mais da Alma. Eu convidei Aline a voltar para a estância para ficar com Rodo, pois temo por ele, por sua solidão, seu desepero. Ocorreu-me que Aline, tendo um filho dele, poderia salvá-lo. Ela ficou me olhando fixo sem dizer nada, talvez imaginando essa hipótese ( ela está só, criando seu filho). Ai! Bento, só que a estância está em perigo, endividada, decadente. Preciso ser forte, tomar as rédeas, já que Rodo está inerte, parecendo quase catatônico. Ah! Desculpa-me, Bento, de contar tanta tragédia, a ti , que mal me conhece. É que estou tão só...
Tu notaste que eu publiquei hoje uma carta da Alma para a Andrea, de um ano e meio atrás, que me pareceu que contém a chave da angústia e talvez da morte da Alma? Essa carta me fez chorar tanto, a Alminha está toda ali. Ah! Bento, como ela era bela e meiga. A doutora Jensen também chora ao falar dela, o que não surpreende, pois descobri aquela crônica, no Leia Livro, entitulada "Minha doutora Jensen", que revela que até a doutora sucumbiu aos seus encantos e a teve nos braços. Ai! Bento...
Agora vou dormir, estou exausta do dia de hoje, tão perturbador.

Boa noite, um beijo, meu amigo mineiro, poeta...

Lucia
Carta n°9


Bento querido, encontrei também este e.mail devolvido à minha caixa, e por via das dúvidas (será que tu o já o recebeste?) estou reenviando (ele é anterior) ao último. (ai! estou meio louca...)

Oi Bento

Recebeste a minha resposta ao teu lindo poema dedicado à Alma? Estou tão grata!...
Olha, pretendo voltar ao Sul na semana que vem. Recebi um recado do delegado Benotti sobre as investigações da morte da Alma, e estou muito inquieta. Ele disse que prosseguiu com exames no local, e até fez um policial mergulhar para recolher a pedra e a corda no fundo do poço da cascata, onde ancoravam o corpo da Alma. E que o exame da amarra e do laço revelou nós de boiadeiro. Saberia a Alma fazer esses nós? Não sei... A grande pedra e a corda foram enviadas para laboratório. Estou estarrecida. Além disso ele descobriu que a toalha de mesa que Matilde usou para cobrir o corpo da Alma quando absurdamente já estava sendo velada nua, foi guardada sem lavar por ela numa sua arca, como uma relíquia sagrada da sua adorada guria. E lê diz que a investigação policial científica evoluiu muito e a mínima nódoa pode conter DNA do assassino e ser comparado ao de um suspeito detido, quando houver. Ai! Bento tudo isso me parece escabroso, e deprimente.

Bah! Eu queria era por um ponto final nisso tudo, e por uma grande pedra em cima do assunto. Ai!... Queria poder pensar na Alma em seus vestidos vaporosos, colhendo flores no nosso jardim, com as crianças, alegres os cinco, cheios de risos cristalinos, imagem inesquecível de beleza e ternura. Mas não sei se vou agüentar o que pode vir dessa investigação... Tenho medo, Bento, tenho medo de não agüentar!

Bem, Bento, desculpa-me essas confidências. Temo aborrecer-te, tirando–te dos pensamentos e temas poéticos caros a ti, e relacionados ao teu lindo Vale. Lá no nosso Pampa, na estância, prevalece agora aquele “vale de lágrimas”, de que minha mãe falava e não lhe dávamos ouvidos.


Até breve meu amigo poeta, se costumas rezar, reza para que a nossa Alminha tenha paz...

Um beijo da

Lucia
Carta n°8


Querido Bento

Entrei no site "onhas", passeei nele todo e amei a tua região.
Deu-me vontade de visitá-la, um dia. Alma adoraria conhecer essa lindo e singelo mundo, de pessoas simples que ela amava e sabia
apreciar o valor e a riqueza interior. Deixei um comentário lá,
no Livro de Visitas, mencionando a ti, grande poeta do vale, que
o divulga no LL. Procure lá. Tu estás mencionado também por outros
visitantes ali, tu sabes?
Quanto à suspeita do delegado Benotti, realmente cresce também
dentro de mim. Estou em São Paulo, hospedada no ateliê do Guilherme de Faria tratando das edições da Alma (já recebeste o Livro?) mas recebi um e. mail do delegado que quer mais detalhes sobre a vida da minha irmã, se possivel detalhes mais íntimos, seus relacionamentos, etc, pois está conduzindo por conta própria uma investigação de assassinato da Alma.
Ele diz que nós nos precipitamos em cremar seu corpo, o que destruiu evidências preciosas. Ela é um homem cru e direto, e diz que acredita que Alma pode ter sido estuprada e depois afogada. Ai! Bento não posso pensar nisso!começo a ter pesadelos. Esta noite foi um inferno.
Sonhei com essas cenas horriveis! Como pôde minha irmãzinha sofrer uma barbaridade dessas? Agora passo a preferir o "simples" suicídio, tal o horror da alternativa. Sabe, Bento, eu comecei a reler o romance da Alma, A Herança, e notei que no capítulo "O julgamento da Alma", verdadeiro, que eu publiquei no LL, já estava ali o motivo de eu ter "pinçado" esse texto: ali aparece o depoimento, em juízo, do sêo Alípio Galdiano, que foi nosso peão boiadeiro, muitos anos, e que parece odiar a Alma por causa de seu filho Martim, que foi apaixonado pela Alma( sem nunca declarar-se, coitado) e que afastou-se da estância e de sua família por causa dessa paixão sem esperança, e depois suicidar-se, passados alguns anos. Cheguei a suspeitar dele. Mas ele está tão velho, que seria impossível. A menos que... fosse o mandante. Mas são pessoas sem posses, o que poderia ele oferecer a um assassino? Mas quem seria, então, o monstro que teria feito isso, se for verdade? Ah! Imaginar o sofrimento da Alma no seus momentos finais! Ai! Mas, por que não havia no corpo outros sinais de luta, a não ser a marca avermelhada da corda no seu lindo e branco pescoço? Bem... a verdade que havia uns ligeiros esfolados na parte imterna dos braços, que atribuimos ao peso e aspereza da grande pedra que ela pode ter carregado como uma salva, e que a arrastaria para o fundo do poço, e que a teria esfolado quando ela soltou ao deixar-se cair... Ai, Bento, quanto me tenho torturado com essas imagens, que voltam agora
com mais força! Quando retornar à estância vou colaborar com o delegado e também dedicar-me a essa investigação. Pode ter um assassino à solta por lá.
Bem, caro poeta, se quizeres enviar-me qualquer coisa podes
fazê-lo para o endereço do Guilherme de Faria, aos meus cuidados, onde estou hospedada por mais duas semanas:
Carta n°7


Querido Bento
Eu realmante pensava em enviar a ti uma foto da Alma, mas hesitava, não sabia bem porquê. Então comentei com o Guilherme sobre isso, e ele foi categórico: não, não posso fazê-lo! Alma e ele tinham um acordo desde o princípio de sua relação: jamais divulgariam uma foto dela, e ele seria seu único retratista autorizado, através dos quadros dele para os quais ela posava. Guilherme diz que a Alma só deveria ser fixada em pinturas e desenhos, pois eles são completados pela mente do expectador, que embora participando da formação espiritual da imagem, nunca estará plenamente satisfeito, mas perenamente instigado. Guilherme via a Alma como a mais misteriosa mulher que jamais houve neste mundo, e para entender isso e a relação que eles tinham, e esse "contrato" do retrato pintado, ele nos recomenda que leiamos o conto Anagramas (da Alma) que está publicado no Leia Livro. Ele diz que o conto explica a razão do encontro (ou reencontro) deles nesta vida, quer dizer, nesta atual encarnação. Por isso, querido Bento, devo respeitar tão profundo e misterioso desígnio. Continuarei a enviar a ti, se quizeres, mais retatos da Alma feitos pelo Guilherme. Sei que esse fato ajudou a causar a impressão, lá no Recanto das Letras de que Alma era um heterônimo de alguém, ou até mesmo do próprio Guilherme (o que ele diz que o lisongeia...) fato que insolitamente causou a expulsão dos dois daquele site, vê só que loucura, que absurdo!
Então, Bento, estou enviando anexo o quadro que Guilherme diz que se aproxima do quadro da Alma visto por ele pela primeira vez no século XVII, e cuja memória voltou, fragmentária, no sonho-reminicência que ele teve e foi contar para a Alma quando soube dos dotes interpretativos dela através da grande artista gravadora Renina Katz. (vide o conto Anagramas)
um beijo
Lucia
PS Tu recebeste meu comentário ao teu lindo poema sobre a Alma, e o outro que enviei em seguida?
Carta n°6

28/05/07

Querido Bento

Que bom que estás lendo os Contos da Alma, e que estás apreciando! A propósito o conto "O Testamento", me causou uma grande tristeza quando o li, pois Alma foi cruel conosco, suas irmãs, chamando-nos de "megeras" pela boca de nosso irmão Rodo. Eu podia compreender que Alma tivesse um grande problema e antagonismo com Solange nossa irmã mais velha , que se comportou como inimiga da Alma, quase até o seu fim, só pedindo seu perdão na hora da morte... mas quanto a mim, Alma não podia comparar-me a ela dessa maneira, pois eu a venerava desde sempre, embora ela só tivesse provas disso, a partir de um eposódio acontecido durante a estada de Aline lá na estância, e em que afinal ela reconheceu isso... e ajoelhando-se (Alma era melodramática) beijou-me as mãos, o que até hoje me comove e me faz vir lágrimas aos olhos. Está contado no seu romance A Herança, num capítulo que pretendo publicar no Leia Livro, para as pessoas entenderem nossa relação. Meu pecado, na minha adolescência foi ter sido um tanto omissa por timidez e medo de nossa mãe. Mas eu idolatrava a Alma, que só tinha olhos para o Rodo, além do Vati, claro, que esse era o seu deus. Talvez eu fosse uma pamonha mesma, por insegurança, e por ser sardenta e não bela como a Alma. Bah! Quanta bobagem! Demorei muito para me assumir e me centrar, mas foi a partir daquele episódio em que mostrei meu apoio à Alma, que ao afinal me enxergar também me salvou, fazendo-me assumir a minha força e "florecer". Daí por diante ficamos muito ligadas e confidentes tardias. Mas ela bem podia ter modificado aquele texto( risos), que salvo isso, é bem verdadeiro! Alma, naturalmente torcia um pouco as coisas, para fins literários, de síntese. Mas dum modo geral, todos os seus textos são baseados em experiências suas, e em fatos ocorridos. Mas eu nunca quiz vender a estância embora estivesse sendo pressionada pelo meu finado marido Geraldo que se revelou um bandido, tendo fugido com a Solange qe abandonou o pobre Alberto, seu marido que morreu de tanto beber. Foi um imbróglio dos diabos, e Alma contou tudo no seu romance. Ah! Bento, as vezes me ocorre que tu podes estar ficando horrorizado com a minha família, tão enrolada, romanesca e decadente. Mas isso tudo é uma marca destas terras, deste Pampa, com seu histórico violento, desde o Império e dos farroupilhas de Bento Gonçalves e dos "maragatos e pica-paus". Nossa terra é violenta e apaixonada, sob a capa de paz destas coxilhas amansadas pelo ventos... pelo minuano. Mas eu gosto muito de todos os contos de livro, principalmente do "As férias da Infância da Alma", de " Harpia' , e "A Confraria dos Poetas do Soneto Triste", carregado de um humor, e de uma ironia terna, que era a marca da Alma. Ela não era irônica no sentido do sarcasmo. Ela era pura demais para isso. Mas conciliava inteligência com candura, como disse o Guilherme, e esse era o seu maior encanto.

Olha, Bento, quero dizer também que fiquei sabendo pelo conto "As Férias..." que Alma foi violentada naquela fazenda mineira, na adolescência, o que me estarreceu. Só fui conferir com ela esse fato, que ela então me confirmou. Como eu pude desconhecer a vida tumultuada da minha irmãzinha, por tanto tempo?! Fatos como esse explicam talvez uma angústia recorrente da Alma, que podem tê-la levado ao gesto extremo, que nos chocou a todos. Minha irmãzinha sofria com a maldade do mundo... era hiper- sensível, e nostálgica demais de sua infância com o nosso Vati, e com Rodo. Bem, querido Bento, chega de pensar em coisas tristes. Tu estás escrevendo bastante? Novos poemas do Vale? Obrigada pela tua atenção e carinho com a a arte de minha irmã e, por extensão... comigo.

Conte-me mais das suas impressões dos contos...

Um abraço, com carinho,

da Lucia





Lúcia, querida, recebi o livro da Alma, o sentimento do belo está ali guardado, desde a capa de extremo bom gosto ao belíssimo prefácio do Guilherme - e os contos, lindos, escritos numa linguagem escorreita, a vida pessoal da autora revelada aos leitores numa comunhão de beleza e coragem. Não o li todo, fui até o conto Testamento, mas já percebi que estou diante de um grande livro, de uma grande autora que bem deveria ser conhecida pelos brasileiros. Lindo livro, muito obrigado Lúcia pela sua generosidade, pelo seu amor pelo outro, por tudo de bom que você vem fazendo para que a obra da Alma seja publicada e conhecida por todos.

Um grande beijo do Bento.


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"luciawv@ig.com.br" para poetabento
mostrar detalhes 02/06/07

Querido Bento
Eu realmante pensava em enviar a ti uma foto da Alma, mas hesitava, não sabia bem porquê. Então comentei com o Guilherme sobre isso, e ele foi categórico: não, não posso fazê-lo! Alma e ele tinham um acordo desde o princípio de sua relação: jamais divulgariam uma foto dela, e ele seria seu único retratista autorizado, através dos quadros dele para os quais ela posava. Guilherme diz que a Alma só deveria ser fixada em pinturas e desenhos, pois eles são completados pela mente do expectador, que embora participando da formação espiritual da imagem, nunca estará plenamente satisfeito, mas perenamente instigado. Guilherme via a Alma como a mais misteriosa mulher que jamais houve neste mundo, e para entender isso e a relação que eles tinham, e esse "contrato" do retrato pintado, ele nos recomenda que leiamos o conto Anagramas (da Alma) que está publicado no Leia Livro. Ele diz que o conto explica a razão do encontro (ou reencontro) deles nesta vida, quer dizer, nesta atual encarnação. Por isso, querido Bento, devo respeitar tão profundo e misterioso desígnio. Continuarei a enviar a ti, se quizeres, mais retatos da Alma feitos pelo Guilherme. Sei que esse fato ajudou a causar a impressão, lá no Recanto das Letras de que Alma era um heterônimo de alguém, ou até mesmo do próprio Guilherme ( o que ele diz que o lisongeia... ) fato que insolitamente causou a expulsão dos dois daquele site, vê só que loucura, que absurdo!
Então, Bento, estou enviando anexo o quadro que Guilherme diz que se aproxima do quadro da Alma visto por ele pela primeira vez no século XVII, e cuja memória voltou, fragmentária, no sonho-reminicência que ele teve e foi contar para a Alma quando soube dos dotes interpretativos dela através da grande artista gravadora Renina Katz. (vide o conto Anagramas)
um beijo
Lucia
PS Tu recebeste meu comentário ao teu lindo poema sobre a Alma, e o outro que enviei em seguida?
Carta n°5

Oi, poeta
Aqui vai anexo do lindo quadro de que te falei (um dos inúmeros para os quais Alma posou para o artista). Depois tentarei enviar outros que a retratam de frente, enquanto providencio a foto que tu queres. Mas (cá entre nós) garanto a ti que nenhum quadro ou foto fez jamais justiça ŕ beleza da minha irmă ao vivo. Abraço da Lucia
Carta n°4


29/05/07

Oi Bento
Entrei no site e encontrei a tua página. Barbaridade, guri! tu és um poeta super premiado! E compositor!( quem sabe um dia musicarás um poema da Alma, fazendo uma linda parceria entre gaúcha e mineiro...
Mas olha, querido, não consegui abrir o teu retrato. Não sei se é porque o computador aqui do ateliê do Guilherme está uma droga( ele se queixa, dizendo que vai comprar um novo, etc(risos). Bem vou tentar ver o teu rosto num cyber-café que ele me indicou, na rua Augusta.
Ah! Quanto à foto da Alma, para enviar a ti, vou providenciar até a semana que vem, pois tenho que escolher e scannear (aqui está quebrado), pois Alma não tinha nenhuma, que eu saiba, no seus arquivos de computador ( que está lá na estância, onde o scanner também está quebrado, uff!) e nada na sua caixa de e.mail, pois ela teimava em não divulgar suas fotos, e só publicava os retratos feitos pelo Guilherme de Faria, em pintura, desenho e garavura. Ele era o seu único "retratista autorizado". São obras de arte encantadoras e misteriosas... Bem, Alma era mesmo assim, muito misteriosa. Lá no Recanto das Letras isso acabou despertando suspeitas quanto à sua existência, vê só... Para teres uma idéia, estou enviando anexo um dos muitos quadros do Guilherme para o qual Alma posou ( este, de costas), mas que é muito lindo, e está aqui, ainda no ateliê do artista. Guilherme é ciumento deles, pois a cultua como uma musa, ou mesmo como uma deusa. É comovente...
Assim que conseguir, enviarei a foto da Alma.Por enquanto fica com a obra de arte, que só aumenta o mistério da Alma (tcham, tchan, tchan, tchan!)(risos)
Um beijo
da Lucia

PS Envio o anexo num outro e,mail. Porque está difícil localizar nonos arquivos do artista.
24/05/07

Carta n°2

Querido Bento



Comoveu-me saber que a Alma tem inspirado um poeta como tu, que vens de um mundo tão distante geográfica e culturalmente, o vale do Jequitinhonha, que ouvi dizer que tem maravilhosos ceramistas populares e um folclore riquíssimo.E

que maneira e sotaques deliciosos tem o povo de lá! Vi um documentário uma vez na TV Cultura sobre a tua região, que apesar muito pobre economicamente, é encantadora pela singeleza e beleza da alma de seu povo. Não me conta que Almatenha visitado essa região nas suas andanças, pois ela foi somente para o Nordeste cujo sertão ela descreveu muito bem no seu romance “O Retorno dos Menestréis”. Alma adorava o nosso povo e era recebido carinhosamente por ele.A julgar pelo pessoal de nossa estância, havia a tendência dela ser vista como uma espécie de princesa retornada. Sim, a princesa Isabel, a Redentora, pois a luz e a beleza que emanava dela, faziam o povo reverenciá-la onde quer que fosse. E com que graça ela lidava com eles, os peões e sertanejos!.. Ela assumia naturalmente a postura magnânima, e dadivosa, tocando-os e sorrindo de uma maneira.... que eles tendiam a adorá-la.. Eu mesma vi cenas comoventes aqui no nosso Pampa. As crianças, então, seguiam-na aos bandos, querendo tocá-la e segurar a sua mão. Pra elas era um princesinha de estória de fadas, ali, rediviva.. Elas a cercavam e ela desfiava estórias encantadoras , que as fazia rir e sonhar acordadas. Eu a observava e meus olhos como os delas ficavam molhados e enevoados, e... e nós a amávamos tanto! Como uma criatura como ela pode nos deixar em tanta dor e mesmo violência? Eu não me conformo, essa é que é a verdade! O delegado da nossa região, que a conhecia, acredita ainda que não foi suicídio, e que pode ter sido assassinato, devido ao desejo que ela despertava em alguns pela sua beleza e candura, e também por certa sensualidade natural, sem nenhuma vulgaridade, que ela realmente tinha. O fato de banhar-se nua na cascata, e às vezes tirar a roupa para caminhar pela campina colhendo flores.... tudo isso era perigoso, na verdade, e pode ter despertado desejos em pessoas más. Mas não posso conceber uma coisa dessas. Quem faria isso? Nesse caso minha irmãzinha seria um mártir, e parece que o povo já a está considerando assim, pois percebe-se já uma tendência na peonada da região, e suas mulheres, a vê-la como uma santinha, a rezar a ela e invocá-la. Eu mesma já vi várias vezes vagando por aqui (como já te contei ) e tentei segui-la. Mas ela desaparece e não sei o que significam as suas aparições, se somente revelam o seu apego a este cenário tão amado por ela, e ao nosso casarão que lentamente se arruína, com a nossa decadência econômica e financeira.. Imagino que mesmo que percamos a estância ela ficará por aqui eternamente, e assombrará os novos donos, mas não sei... Por outro lado, quererá ela mostrar-me algo, algum indício que desvende o mistério de sua morte? Debato-me entre essas duas terríveis probabilidades, pois não há consolo em nenhuma delas. Alma não merecia um destino assim morrer no auge de sua criatividade, juventude e beleza. Ela parecia ainda uma guria, mas quantas paixões, não só amor singelo ela despertava, com sua liberdade ingênua, sua alegria e nudez freqüente e desabrida! Bem que Matilde desesperada a repreendia, exortando a resguardar-se mais... Alma registrou essa relação com sua ex-baba( há muito anos nossa cozinheira e caseira) que era como uma ama ou aia devotada à nossa princesa) em muitos textos, nos seus romance e nos Sonetos Pampianos. Veja isto:



A Casamenteira (de Alma Welt)

Pintei-me nua com grande realismo,
Que ao ver a tela a Matilde até gritou:
“Guria, apaga tudo, isso é nudismo!
Já não basta viveres dando show?”

“ Eu vejo que és nudista empedernida
E estás cada vez mais descarada,
Se eu fosse a tua mãe, a falecida,
Ia dar-te era mais muita palmada!”

“Eu sei que és guapa , mas te guarda,
Vai por mim, que sou casamenteira:
Quem quererá o que não se resguarda?”

“ Se te esconderes afinal te esquecerão
E haverá alguém que ainda não
Te viu pelada, e pague a entrada inteira..”



Pobre Matilde! Em sua simplicidade, quanto ela previu o perigo,

de alguma forma... Quanto ela quis proteger a sua querida guria até de si mesma. Agora Matilde envelheceu muito subitamente e nunca mais sorriu.
Só reza e reza. Desfia rosários sem parar. E haja velas pelo casarão!...

Bem, querido Bento. Aqui estou eu a estender-me muito, na evocação da amada irmã.. Vou parar, certamente para chorar...

Até breve ( tu começaste a ler o livro?) Ai!, só consigo pensar nela...

Um abraço

da Lucia

PS. Já leste a “Evocação de Alma Welt” que o querido Guilherme de Faria acaba de publicar no LL? Já está em primeiro lugar entre os favoritos de Não-Ficção...



Querida Lúcia, vou ler com carinho o livro da nossa Alma, uma poeta que anda inspirando-me sobremaneira, sua história comove-me, fico pensando nas suas palavras, na sua vida, que pelo o que você diz, para mim é um verdadeiro romance. As obras da Alma têm que ser conhecidas pelo povo brasileiro, a literatura dela tem que ser conhecida e divulgada para que muita gente leia e comova-se com seus escritos. Infelizmente a luta do poeta no Brasil é àrdua, muito pouca gente lê e a poesia é tratada como gênero literário menor pelas editoras, mas vamos tocando o barco rumo ao infinito das nossas aspirações, acreditando sempre na transformação que a poesia causa em nosso coração. Lúcia, continue o que Alma começou, tenho certeza e fé no seu talento literário, você escreve maravilhosamente bem,possui fluência, clareza de idéias e principalmente beleza. Pense nisso, escreva contos, poesia, enfim, escreva, acredito na sua instância renovadora no mundo da literatura. Grande beijo e já a tenho como uma grande amiga. Responda-me e deixe seu endereço para que eu possa mandar-lhe um exemplar de um importante jornal literário mineiro que tráz alguns dos meus poemas e mostra a arte do povo do Jequitinhonha, região onde nasci e que ainda hoje povoa de versos os meus escritos. Saiba que mesmo sem a conhecer, nutro um enorme carinho por você, pela Alma, pela história de vocês. De verdade.




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From: luciawv
To: poetabento@hotmail.com
Subject: Re: RE: Alma para Bento
Date: Wed, 23 May 2007 11:27:23 -0400



Caro Bento

Enviei a ti o livro da Alma, ontem pelo correio comum. Pode demorar

uns dias a chegar.Estou em São Paulo para tratar de possíveis futuras
edições dos textos da Alma com o Guilherme de Faria ,
que está ilustrando lindamente e publicando de forma
artesanal os "Sonetos Pampianos da Alma" (há já um exemplar na Livraria
Teixeira da alameda Lorena). Os livrinhos vem dentro de uma caixinha
linda de madeira e têm ilustração a cores na capa de cada um (são doze)
perfazendo os 150 ultimos escritos por ela e outros mais antigos, num total
de mais de 200 sonetos que tem o pano de fundo do nosso Pampa. São uma
riqueza, e não posso lê-los sem chorar (pela beleza e pela
saudade). Gostaria que tu os conhecesse.

Quanto aos Contos da Alma, gostaria que tu acusasse recebimento

quando chegar, e depois de teres lido me comunicasse as tuas
impressões. Eu considero o livro belíssimo, e muitas pessoas que os leram
também. São os contos da experiência paulistana de minha irmã, com
exceção de um deles: "Na trilha dos Menestréis", lindo
e emocionante, passado no nordeste, numa viagem que Alma fez a Olinda,
quando já estava morando em São Paulo. Descobri que ela valorizava tanto
esse conto ( que foi o que motivou o editor, que o leu, a publicar o
livro) que escreveu um romance, "O Retorno dos Menestréis", muito
erótico, belíssimo e divertido, e que é uma continuação do conto. Descobri
que Alma o publicou inteiro em capítulos no Recanto das Letras, mas que foi
apagado junto com suas páginas e seu Site de Escritor. Felizmente eu
descobri um exemplar digitado e encadernado em espiral, na escrivaninha
abarrotada da Alma. Li, chorei e ri muito.

Espero, caro poeta, que te encantes, comovas e te divirtas com as obras

da tua colega, nossa querida Alma. Estando com seus livros eu a sinto perto
de mim, e por isso os ando carregando para todo lado. É
impressionante como ela está viva nos seus textos e poemas. Ela
realmente pôs sua alma, sua beleza e seu coração neles.

Até mais

um abraço da Lucia



Cara Lúcia, bonito relato, acredito sim que uma pessoa amada

mesmo pós-morte possa surgir no nosso campo de visão fazendo valer a força
do espírito. Tente sim publicar as obras da Alma, sei que é difícil editoras
que publicam poesia, mas tente, arrume uma maneira de publicar independente
de editoras, meus livros são publicados assim, às próprias custas e em
pequenas tiragens, essa é a luta do poeta no contexto literário atual.
Gostaria muito de receber o livro de contos da Alma, meu endereço : Rua
Buenópoles 33/306 - Cep. 31015-120 - Bairro Floresta - Belo Horizonte - MG.
Ficarei esperando a beleza que deve ser o livro da Alma. Beijos do
Bento.