segunda-feira, 28 de julho de 2008

Carta n°10


Querido Bento poeta

Fiquei lisongeada com as tuas palavras. Logo perderei a vergonha e enviarei um poema meu. Mas advirto-o que não chego aos pés da minha irmã, ou de ti.
Estou me preparando para voltar ao Sul e pela primeira vez tensa e temerosa.
Sei que vou ter que enfrentar coisas dolorosíssimas, pois o delegado Benotti, quer inquirir todos na estância, peões, serviçais domésticos e até a família. Mas não há senão Rodo e o fiel Galdério, de homens dentro do casarão. O mais é peonada, e nós que conhecemos todos, não podemos conceber que algum deles... Bem, o delegado disse hoje por e.mail que já tem uma pista, embora um tanto vaga. Cá entre nós, vezes penso que esse delegado é um oportunista e sensacionalista. Ele disse que conheceu Alma de vista em Rosário do Sul, e que ela chamava muita atenção, e era muito cobiçada. Mas sei que Alma nem reparava nisso, era absorta em seus pensamentos e no fundo, inocente como uma criança, apezar de tantos textos eróticos.
Ah! Benotti disse que o exame da toallha não revelou nada (nem poderia), mas que isso não é conclusivo, pois não a envolveu, ficou somente por cima e por poucas horas.Agora sismou de mandar examinar a nossa mesa, onde ela esteve pousada nua no velório na sala do casarão.. Disse que trará um especialista. Esse homem é um tormento.
Bento, agora vivo assombrada. Lá na estancia vi Alma várias vezes, como se convidando-me a seguí-la. Agora vejo que talvez ela quizesse me mostrar alguma coisa. Mas sabe, quando releio seus Sonetos Pampianos eu encontro vários indícios de desejo de morte ou de reencontro com o Vati, e verdadeiras visões do seu fim iminente. Sou católica, Bento, e no entanto começo a ficar tentada a ir a uma seção espírita, coisa que nunca me atraiu antes..
Ontem fui visitar a Aline e seu filhinho Marco, meu sobrinho, filho do Rodo. Essa estórias pode parecer escabrosa, pois Aline foi namorada da Alma e entregou-se ao meu irmão, num verdadeiro plano dos três para dar um filho às duas que o criariam juntas, já que Aline queria (pasme!) ter um filho com a Alma. Uff!! Foi a solução qu encontraram...Mas isso acabou, como era de se prever saindo pela culatra, afastando Aline da Alma. Eu, morando em Alegrete não estava sabendo de nada desse imbróglio.
Mas ontem, Aline chorou muito, abraçada a mim, lembrando da Alma, arrependida de a ter deixado. Todos nós que a amávamos estamos nos sentindo culpados de um jeito ou de outro. Não pudemos fazer nada por ela. Não pudemos salvá-la, ao nosso anjo, à nossa poetisa, meiga, doce, apezar de tão complicada. Marco é um guri lindo, e tem o traços do Rodo. Não se lembrava de mim, e creio que não se lembraria mais da Alma. Eu convidei Aline a voltar para a estância para ficar com Rodo, pois temo por ele, por sua solidão, seu desepero. Ocorreu-me que Aline, tendo um filho dele, poderia salvá-lo. Ela ficou me olhando fixo sem dizer nada, talvez imaginando essa hipótese ( ela está só, criando seu filho). Ai! Bento, só que a estância está em perigo, endividada, decadente. Preciso ser forte, tomar as rédeas, já que Rodo está inerte, parecendo quase catatônico. Ah! Desculpa-me, Bento, de contar tanta tragédia, a ti , que mal me conhece. É que estou tão só...
Tu notaste que eu publiquei hoje uma carta da Alma para a Andrea, de um ano e meio atrás, que me pareceu que contém a chave da angústia e talvez da morte da Alma? Essa carta me fez chorar tanto, a Alminha está toda ali. Ah! Bento, como ela era bela e meiga. A doutora Jensen também chora ao falar dela, o que não surpreende, pois descobri aquela crônica, no Leia Livro, entitulada "Minha doutora Jensen", que revela que até a doutora sucumbiu aos seus encantos e a teve nos braços. Ai! Bento...
Agora vou dormir, estou exausta do dia de hoje, tão perturbador.

Boa noite, um beijo, meu amigo mineiro, poeta...

Lucia

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