segunda-feira, 28 de julho de 2008

Correspondência entre Lucia Welt e o poeta Claudio Bento

Carta n°1




Caro Bento

Obrigada. Na verdade eu escrevo um pouco, esporadicamente, poemas e contos, que nunca me animei a tirar da gaveta. Alma é que era a artista da família. Aqui em casa todos e em casa todos a víamos como grande poeta desde a infância e ela era cultuada por nós por sua beleza e talento. Ah! Bento, tu não sabes o que era A Alma: a mais bela criança, depois a adolescente e então a mulher mais deslumbrante que jamais vi nesta vida. Eu cresci à sua idolatrada sombra, feliz por ser simplesmente a sua irmã mais velha e protetora contra Solange(quando podia) sua inimiga e perseguidora. No momento da morte da nossa irmã mais velha, nos braços de Alma, ela lhe pediu afinal perdão...
Ela era a preferida do Vati (nosso pai) que tomou a si o encargo de criá-la longe, até certo ponto, da influência católica de nossa mãe, que Alma chamava mítica e poeticamente de “a Açoriana”. Ele queria e conseguiu fazer de nossa irmã (caçula entre as mulheres) uma obra de arte viva, e começou, por alguma razão por educá-la como uma pequena pagã, sem o senso de pecado. O cristianismo só entrou em Alma pela via folklórica.
Quanto a mim eu era um tanto apagada em minha infância e adolescência, pois minha adoração me fazia somente observá-la e cultuá-la como uma pequena deusa. Ah! Bento, só de lembrar dela me vem lágrimas aos olhos, pois são memórias de tocante beleza, pois nossa Alminha era uma criatura predestinada, uma verdadeira princesa, nosso pai tinha razão... Ela nos comovia a todos, pois conseguia unir beleza e talento, candura e inteligência, meiguice e humor. E que poeta! Ai! Bento, choro e chorarei sempre a sua perda e me devotarei à grande obra que ela deixou, até o fim dos meus dias, compilando, digitando seus manuscritos inéditos e os organizando em livros que tentarei publicar. Não é fácil, pois não tenho conhecimento em editoras e sou um tanto inepta para coisas práticas. Sou apenas uma professora de História e Português. Além disso crio sozinha meus quatro filhos ( dois eram da Solange e eu fiquei com os orfãzinhos de pai e mãe, que agora são meus como os outros). Alma adorava seus sobrinho e era adorada por eles. Mas ela era como uma criança perto deles, companheira encantadora de brincadeiras e contadora de histórias e estórias. Eles ainda choram a sua morte, quando vêem algo que a evoca sua figura, sua memória. E me perguntam onde ela realmente está, pois lhes parece que ela está só encantada, temporariamente desaparecida, e que voltará um dia. E olha que já são adolescentes e pré-adolescentes! Mas eu mesma acho, às vezes, com o coração, que isso vai acontecer. Na verdade esta estância que ela tanto amava, permanece assombrada por ela. Bento, eu a vejo! Eu já vi várias vezes vagando pelo jardim de nossa mãe, pelo pomar de sua macieira sagrada, pelo bosque e pelo poço da cascata, onde ela morreu. Ela anda, pára e me olha tristemente e como se quisesse dizer algo. Mas segue e desaparece. Não posso contar isso para qualquer pessoa, pois poderão querer me internar também. Matilde também a viu, e as crianças parecem guardar um segredo e parecem sempre conspirando alguma coisa quando estão juntas aqui na estância nos fins de semana. Só não tenho medo porque Alma era um verdadeiro anjo, incapaz de fazer mal a quem que fosse, embora ela se achasse culpada (involuntarimente) do suicídio de um jovem padre em Rosário do Sul, na sua adolescência, numa fase em que experimentou ser católica sem conseguir sê-lo devido à sua formação. Ela contou isso em duas crônicas ( “O Padre”, e “A absolvição da Alma” (vide no Leia Livro).
Alma era hiper-sensível, e temo, à vezes que suas culpas imaginárias a tenham levado ao gesto extremo. Ou então, que a decadência de nossa estância, com seu abandono progressivo e suas dívidas imensas, que se acumulam desde o tempo do Vati, tenham lhe produzido uma angústia imensa pela perspectiva de perdermos sua terra amada e este casarão de nossa infância. Rôdo, nosso irmão é na verdade o nômade entre nós. E agora que saiu da internação pouco ficou por aqui e logo partiu novamente, nas suas andanças pelo mundo. Ele não suportou ficar aqui, algo me disse que ele também a viu vagando e que ela lhe falou algo que não quis revelar a mim. Bem ele está muito estranho, nunca mais será o mesmo, pois ele amava Alma acima de tudo,prativamente enlouqueceu, e quase não voltou a si após a morte de Alma.
Caro Bento estou tentando manter a obra da Alma presente, alimentando as páginas dela no Leia livro, mas está difícil, pois parece estar desorganizado e atrasado o setor Poesia, ali. Quero publicar ali os seus 150 sonetos Pampianos de três em três até o último poema “A Carruagem”, sua despedida deste mundo e que tanto comoveu os leitores do Recanto (300 leituras
em quatro dias) O conjunto, obra magistral e final da Alma, composta inteira no seu último mês de vida e que ela publicou no Recanto e foi apagada, com a sua estranhíssima expulsão póstuma daquele site. Meu sonho é publicar esta , e todas as obras da Alma em livro, de preferência, como obras completas de Alma Welt.
Hei de conseguir um dia, nem que leve o o resto dos meus dias. Alma bem o merece pois era um gênio literário, que só de sonetos deixou 700 e primorosos, Sua vida está ali,
em todos eles, como em tudo o que escrevia. Mas, ah! a síntese do soneto é
incomparável, no seu caso.
Bem ... Cláudio Bento, estendi-me de mais. Por ora fico por aqui. Vamos conversando.
Um abraço da Lucia.

PS. Alma tem um belíssimo livro de contos publicado no afinal de 2004, em São Paulo, entitulado
“Contos da Alma”, e que o grande poeta paulista Paulo Bomfim, de oitenta anos,
telefonou para o nosso amigo o grande artista plástico paulista Guilherme de Faria, que descobriu a Alma ( e a prefaciou lançou, e ilustrou) dizendo que foi “o mais belo livro que leu nas últimas décadas”, e que não parecia um livro escrito numa época como a nossa, de decadência literária. Que parecia escrito numa época de apogeu literário como o começo do século vinte” (palavras dele). Se quiseres eu enviarei a ti, de presente, pois encontrei vários exemplares no baú da Alma. Tu bem o mereces pois és um bom poeta e igualmente um intérprete da tua terra, que pareces tanto amar. Basta que me envies teu endereço e CEP, que o remeterei por correio comum. Sempre chega

23/05/07

Caro Bento

Enviei a ti o livro da Alma, ontem pelo correio comum. Pode demorar uns dias a chegar.Estou em São Paulo para tratar de possíveis futuras edições dos textos da Alma com o Guilherme de Faria , que está ilustrando lindamente e publicando de forma artesanal os "Sonetos Pampianos da Alma" (há já um exemplar na Livraria Teixeira da alameda Lorena). Os livrinhos vem dentro de uma caixinha linda de madeira e têm ilustração a cores na capa de cada um (são doze) perfazendo os 150 ultimos escritos por ela e outros mais antigos, num total de mais de 200 sonetos que tem o pano de fundo do nosso Pampa. São uma riqueza, e não posso lê-los sem chorar (pela beleza e pela saudade). Gostaria que tu os conhecesse.

Quanto aos Contos da Alma, gostaria que tu acusasse recebimento quando chegar, e depois de teres lido me comunicasse as tuas impressões. Eu considero o livro belíssimo, e muitas pessoas que os leram também. São os contos da experiência paulistana de minha irmã, com exceção de um deles: "Na trilha dos Menestréis", lindo e emocionante, passado no nordeste, numa viagem que Alma fez a Olinda, quando já estava morando em São Paulo. Descobri que ela valorizava tanto esse conto ( que foi o que motivou o editor, que o leu, a publicar o livro) que escreveu um romance, "O Retorno dos Menestréis", muito erótico, belíssimo e divertido, e que é uma continuação do conto. Descobri que Alma o publicou inteiro em capítulos no Recanto das Letras, mas que foi apagado junto com suas páginas e seu Site de Escritor. Felizmente eu descobri um exemplar digitado e encadernado em espiral, na escrivaninha abarrotada da Alma. Li, chorei e ri muito.

Espero, caro poeta, que te encantes, comovas e te divirtas com as obras da tua colega, nossa querida Alma. Estando com seus livros eu a sinto perto de mim, e por isso os ando carregando para todo lado. É impressionante como ela está viva nos seus textos e poemas. Ela realmente pôs sua alma, sua beleza e seu coração neles.

Até mais

um abraço da Lucia



Cara Lúcia, bonito relato, acredito sim que uma pessoa amada mesmo pós-morte possa surgir no nosso campo de visão fazendo valer a força do espírito. Tente sim publicar as obras da Alma, sei que é difícil editoras que publicam poesia, mas tente, arrume uma maneira de publicar independente de editoras, meus livros são publicados assim, às próprias custas e em pequenas tiragens, essa é a luta do poeta no contexto literário atual. Gostaria muito de receber o livro de contos da Alma, meu endereço :...................
Ficarei esperando a beleza que deve ser o livro da Alma. Beijos do Bento.

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