segunda-feira, 28 de julho de 2008

Carta n°6

28/05/07

Querido Bento

Que bom que estás lendo os Contos da Alma, e que estás apreciando! A propósito o conto "O Testamento", me causou uma grande tristeza quando o li, pois Alma foi cruel conosco, suas irmãs, chamando-nos de "megeras" pela boca de nosso irmão Rodo. Eu podia compreender que Alma tivesse um grande problema e antagonismo com Solange nossa irmã mais velha , que se comportou como inimiga da Alma, quase até o seu fim, só pedindo seu perdão na hora da morte... mas quanto a mim, Alma não podia comparar-me a ela dessa maneira, pois eu a venerava desde sempre, embora ela só tivesse provas disso, a partir de um eposódio acontecido durante a estada de Aline lá na estância, e em que afinal ela reconheceu isso... e ajoelhando-se (Alma era melodramática) beijou-me as mãos, o que até hoje me comove e me faz vir lágrimas aos olhos. Está contado no seu romance A Herança, num capítulo que pretendo publicar no Leia Livro, para as pessoas entenderem nossa relação. Meu pecado, na minha adolescência foi ter sido um tanto omissa por timidez e medo de nossa mãe. Mas eu idolatrava a Alma, que só tinha olhos para o Rodo, além do Vati, claro, que esse era o seu deus. Talvez eu fosse uma pamonha mesma, por insegurança, e por ser sardenta e não bela como a Alma. Bah! Quanta bobagem! Demorei muito para me assumir e me centrar, mas foi a partir daquele episódio em que mostrei meu apoio à Alma, que ao afinal me enxergar também me salvou, fazendo-me assumir a minha força e "florecer". Daí por diante ficamos muito ligadas e confidentes tardias. Mas ela bem podia ter modificado aquele texto( risos), que salvo isso, é bem verdadeiro! Alma, naturalmente torcia um pouco as coisas, para fins literários, de síntese. Mas dum modo geral, todos os seus textos são baseados em experiências suas, e em fatos ocorridos. Mas eu nunca quiz vender a estância embora estivesse sendo pressionada pelo meu finado marido Geraldo que se revelou um bandido, tendo fugido com a Solange qe abandonou o pobre Alberto, seu marido que morreu de tanto beber. Foi um imbróglio dos diabos, e Alma contou tudo no seu romance. Ah! Bento, as vezes me ocorre que tu podes estar ficando horrorizado com a minha família, tão enrolada, romanesca e decadente. Mas isso tudo é uma marca destas terras, deste Pampa, com seu histórico violento, desde o Império e dos farroupilhas de Bento Gonçalves e dos "maragatos e pica-paus". Nossa terra é violenta e apaixonada, sob a capa de paz destas coxilhas amansadas pelo ventos... pelo minuano. Mas eu gosto muito de todos os contos de livro, principalmente do "As férias da Infância da Alma", de " Harpia' , e "A Confraria dos Poetas do Soneto Triste", carregado de um humor, e de uma ironia terna, que era a marca da Alma. Ela não era irônica no sentido do sarcasmo. Ela era pura demais para isso. Mas conciliava inteligência com candura, como disse o Guilherme, e esse era o seu maior encanto.

Olha, Bento, quero dizer também que fiquei sabendo pelo conto "As Férias..." que Alma foi violentada naquela fazenda mineira, na adolescência, o que me estarreceu. Só fui conferir com ela esse fato, que ela então me confirmou. Como eu pude desconhecer a vida tumultuada da minha irmãzinha, por tanto tempo?! Fatos como esse explicam talvez uma angústia recorrente da Alma, que podem tê-la levado ao gesto extremo, que nos chocou a todos. Minha irmãzinha sofria com a maldade do mundo... era hiper- sensível, e nostálgica demais de sua infância com o nosso Vati, e com Rodo. Bem, querido Bento, chega de pensar em coisas tristes. Tu estás escrevendo bastante? Novos poemas do Vale? Obrigada pela tua atenção e carinho com a a arte de minha irmã e, por extensão... comigo.

Conte-me mais das suas impressões dos contos...

Um abraço, com carinho,

da Lucia





Lúcia, querida, recebi o livro da Alma, o sentimento do belo está ali guardado, desde a capa de extremo bom gosto ao belíssimo prefácio do Guilherme - e os contos, lindos, escritos numa linguagem escorreita, a vida pessoal da autora revelada aos leitores numa comunhão de beleza e coragem. Não o li todo, fui até o conto Testamento, mas já percebi que estou diante de um grande livro, de uma grande autora que bem deveria ser conhecida pelos brasileiros. Lindo livro, muito obrigado Lúcia pela sua generosidade, pelo seu amor pelo outro, por tudo de bom que você vem fazendo para que a obra da Alma seja publicada e conhecida por todos.

Um grande beijo do Bento.


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"luciawv@ig.com.br" para poetabento
mostrar detalhes 02/06/07

Querido Bento
Eu realmante pensava em enviar a ti uma foto da Alma, mas hesitava, não sabia bem porquê. Então comentei com o Guilherme sobre isso, e ele foi categórico: não, não posso fazê-lo! Alma e ele tinham um acordo desde o princípio de sua relação: jamais divulgariam uma foto dela, e ele seria seu único retratista autorizado, através dos quadros dele para os quais ela posava. Guilherme diz que a Alma só deveria ser fixada em pinturas e desenhos, pois eles são completados pela mente do expectador, que embora participando da formação espiritual da imagem, nunca estará plenamente satisfeito, mas perenamente instigado. Guilherme via a Alma como a mais misteriosa mulher que jamais houve neste mundo, e para entender isso e a relação que eles tinham, e esse "contrato" do retrato pintado, ele nos recomenda que leiamos o conto Anagramas (da Alma) que está publicado no Leia Livro. Ele diz que o conto explica a razão do encontro (ou reencontro) deles nesta vida, quer dizer, nesta atual encarnação. Por isso, querido Bento, devo respeitar tão profundo e misterioso desígnio. Continuarei a enviar a ti, se quizeres, mais retatos da Alma feitos pelo Guilherme. Sei que esse fato ajudou a causar a impressão, lá no Recanto das Letras de que Alma era um heterônimo de alguém, ou até mesmo do próprio Guilherme ( o que ele diz que o lisongeia... ) fato que insolitamente causou a expulsão dos dois daquele site, vê só que loucura, que absurdo!
Então, Bento, estou enviando anexo o quadro que Guilherme diz que se aproxima do quadro da Alma visto por ele pela primeira vez no século XVII, e cuja memória voltou, fragmentária, no sonho-reminicência que ele teve e foi contar para a Alma quando soube dos dotes interpretativos dela através da grande artista gravadora Renina Katz. (vide o conto Anagramas)
um beijo
Lucia
PS Tu recebeste meu comentário ao teu lindo poema sobre a Alma, e o outro que enviei em seguida?

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