segunda-feira, 28 de julho de 2008

Carta n°12


09/06/07

Bento querido

Escrevi a ti há dois dias e não respondes. Presumo que estejas viajando, talvez na tua querida Jequitinhonha. Enviei-te um poema meu, dedicado à Alma, e estou ansiosa pelo teu comentário.
Será que não recebeste? Ou que recebeste e não gostaste do poema...
Bah! sou tão insegura! A minha vida toda, por ter crescido ao lado de uma princesa como a Alma, me tornou reverente, mas encolhida, nunca me achei digna de fazer coisas que ela fazia, como escrever, pintar e cavalgar tão bem. E nadar (quanto mais,nua) como ela. Eu ficava só olhando-a, admirando-a, prosternada em minha alma diante da pequena deusa. Eu contei no meu poema, que ela uma vez se ajoelhou aos meus pés e beijou-me as mãos em agadecimento por eu ter guardado um seu segredo. Era o segredo de sua relação com a sua amiga Aline que estava lá hospedada conosco, convidada por Alma, e cuja verdadeira natureza ela precisava esconder de Solange, nossa irmã mais velha e tirana. Mas na verdade eu é que vivia a seus pés! E queria continuar assim, por uma longa vida, pois me dava imenso prazer adorá-la, servi-la, admirá-la. Agora sinto um imenso vazio, como se faltasse um pedaço de mim. Eu a amava tanto quanto aos meus filhos, e queria protegê-la, colocá-la dentro de mim, minha irmãzinha que era um anjo de pureza, mesmo com sua intensa vida amorosa, de teor bisexual e de intenso erotismo.
Ah! Bento, eu voltei, estou aqui na estância, e o casarão parece estalar de solidão, rangendo, gemendo nas noites, chamando por ela, que ronda a casa, num vagar perpétuo, sem descanso, procurando ou querendo me mostrar algo que pode estar mesmo sob meus olhos e não consigo ver. Ela assombra esta casa, o querido espectro, fantasma adorado, que precisa descansar. Matilde acende velas e mais velas e desfia rosários sem fim. As crianças brincam estranhamente silenciosas. Elas esperam o retorno de sua amada irmãzinha(não tia), como se tudo de repente voltará a ser como elas querem, como esperam, e esta estância voltará ser feliz, ter o retorno de sua Era de Ouro, quando o riso e a felicidade pareciam durar para sempre. Ai! que dor, Bento!
O delegado esteve aqui, cheio de mais mistérios, como um Sherlok, pensativo e reticente, mas cheio de perguntas cada vez mais íntima e indiscretas. Começo a suspeitar de suas verdadeiras razões. Suspeito de que até ele amava minha irmã, ou acalentava secreta paixão. O que teria acontecido entre eles? Certamente nada físico, ele não poderia ser o tipo da minha irmã. Mas talvez fosse unilateral e longamente acalentado, pois descobri que Benotti estudara por por um ano na mesma classe da Alma no ginásio em Rosário do Sul, antes de minha irmã ser retirada do colégio para aprender com o Vati na sua biblioteca, e uma preceptora contratada, a dona Luciana (vide o conto "A preceptora" no LL).
A verdade é que o delegado não tem nada palpável em que basear a sua teoria de assassinato, senão sua intuição, seu "faro", como ele diz e uma não aceitação do suicídio, por ser ele católico, praticante, segundo ele.
Benotti perambula pelo terreno em torno e até pelo casarão pasme)munido de uma lente, o que me parece ridículo. Ontem ele ficou uma hora sozinho no sotão e eu fiquei em ânsias, pois ali está a arca da Alma, cheia de seus manuscritos inéditos e presumo que ele ficou fuçando, lendo, para ver se descobre alguma pista. Desceu com ares de progresso,mas mais misterioso ainda. Almoçou conosco, pensativo, constrangedor.
Ah! Bento , como terminará isso?
Espero que voltes logo a me escrever, pois só tenho a ti para desabafar neste nível, pois a Matilde, coitada, tornou-se mais que nunca uma religiosa fanática.
Bento, aqui estou eu a escrever uma novela... desculpa-me!
Volta logo...
Beijos
Lucia

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